Veja o que foi debatido e com quem em reuniões após o resultado das eleições; aliados se espantaram com o abatimento do então presidente
A reclusão do então presidente Jair Bolsonaro no fim de 2022, quando se recolheu no Palácio da Alvorada e quase não fez aparições públicas, escondeu uma intensa movimentação de bastidores.
De apelos para admitir o resultado eleitoral até a edição de uma minuta golpista, as discussões travadas em reuniões até então secretas revelam como o ex-presidente trabalhou para encontrar alternativas para reverter a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva. O GLOBO ouviu 14 pessoas que estiveram com o então mandatário naqueles dias. Procurado, Bolsonaro não se manifestou.
Após o baque inicial da derrota, o primeiro encontro em que Bolsonaro discutiu o que fazer ocorreu dois dias depois do segundo turno, em 1º de novembro, quando convocou seus ministros para irem ao Alvorada — a última reunião ministerial do seu governo. Na época, bloqueios de rodovias por caminhoneiros se multiplicavam pelo país e o então presidente vinha sendo acusado de ser condescendente com o movimento golpista, que ele considerava legítimo.
Ala civil x ala militar
Três pessoas presentes à reunião ministerial disseram que Bolsonaro ouviu apelos para que admitisse a derrota e iniciasse a troca de governo. Os pedidos vieram sobretudo da “ala civil”. Já a ala militar — comandada pelo general Walter Braga Netto — aconselhou o então presidente a não se manifestar em relação à derrota enquanto não ficasse pronto um relatório das Forças Armadas sobre fiscalização nas urnas eletrônicas. O documento só viria a ser divulgado em 9 de novembro, sem apontar ocorrência de fraude.
Após o baque inicial da derrota, o primeiro encontro em que Bolsonaro discutiu o que fazer ocorreu dois dias depois do segundo turno, em 1º de novembro, quando convocou seus ministros para irem ao Alvorada — a última reunião ministerial do seu governo. Na época, bloqueios de rodovias por caminhoneiros se multiplicavam pelo país e o então presidente vinha sendo acusado de ser condescendente com o movimento golpista, que ele considerava legítimo.
Ala civil x ala militar
Três pessoas presentes à reunião ministerial disseram que Bolsonaro ouviu apelos para que admitisse a derrota e iniciasse a troca de governo. Os pedidos vieram sobretudo da “ala civil”. Já a ala militar — comandada pelo general Walter Braga Netto — aconselhou o então presidente a não se manifestar em relação à derrota enquanto não ficasse pronto um relatório das Forças Armadas sobre fiscalização nas urnas eletrônicas. O documento só viria a ser divulgado em 9 de novembro, sem apontar ocorrência de fraude.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira — Foto: Reprodução
Bolsonaro nunca reconheceria a vitória do adversário, mas cedeu em um ponto naquele dia. Escalado para a missão de convencer o chefe, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse ao mandatário que as pessoas começariam a morrer por falta de oxigênio nos hospitais, se ele não desestimulasse os bloqueios e fizesse um mínimo gesto de que a eleição havia terminado.
— Os aeroportos principais já estavam parados por falta de combustível. O país estava colapsando como aconteceu no governo Temer. E eu fui lá para convencê-lo — disse Ciro ao GLOBO.
O apelo levou o ex-presidente a liberá-lo a iniciar o processo de transição de governo, segundo Ciro. Naquela tarde, Bolsonaro fez um pronunciamento à imprensa no qual classificou os bloqueios como “fruto de indignação e sentimento de injustiça”, mas que os métodos não podiam envolver o “cerceamento do direito de ir e vir”. O então chefe da Casa Civil anunciou em seguida o começo da transição.
Apesar da sensação de alívio entre os “paisanos”, o grupo passou a ser escanteado nas reuniões seguintes. Em 2 de novembro, Bolsonaro teve uma agenda com militares — o ex-ministro Braga Netto, que foi seu candidato a vice, e os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Marinha, almirante Garnier Santos. Procurado, Braga Netto não quis se pronunciar. Garnier e Freire Gomes não retornaram aos contatos.
Ao longo daquele mês, os aliados se espantaram com o abatimento e melancolia do então presidente.
— Fiquei orando e lendo a Bíblia para ele. Estava muito quieto e triste. Foi um baque para todo mundo — contou o senador Magno Malta (PL-ES), que foi duas vezes ao Alvorada em novembro.
O presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, após as eleições — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
O senador eleito e então vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-DF), também fez uma visita de cortesia:
— Pedi para ele reconhecer o resultado das eleições. Ele não respondeu nada.
Bolsonaro, de fato, não estava acostumado a perder. Após um mandato como vereador do Rio, sete na Câmara dos Deputados e um no Palácio do Planalto, ele havia saído derrotado nas urnas pela primeira vez.
Para piorar a situação, o mandatário foi acometido por uma erisipela na perna — uma infecção bacteriana que se propaga pelos vasos linfáticos e deixa a pele em carne viva. Bolsonaro ficava de bermuda e com o pé para cima na maior parte do tempo. A doença foi apresentada como o principal pretexto para o isolamento no Alvorada — mas não impediu que ele continuasse recebendo visitas.
No dia 18 de novembro, Bolsonaro recebeu no Alvorada seu assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins, ligado ao chamado “gabinete do ódio”. Foi nesse período que, segundo a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, que o então presidente recebeu uma minuta de um decreto com teor golpista das mãos de Martins.
Como revelou o GLOBO, Cid também contou que após ler o documento, o então presidente pediu alterações e, dias depois, apresentou a nova versão aos comandantes das Forças Armadas, em busca de apoio. Pelo relato do ex-ajudante de ordens, apenas Garnier topou.
Diante da falta de apoio para uma ofensiva golpista, Bolsonaro passou a se reunir com advogados que atuaram em sua campanha à reeleição para discutir alternativas de contestação do resultado eleitoral por via judicial. Uma das sugestões foi uma ação para recontagem de votos, apresentada pelo PL e rejeitada pelo TSE. Outra, de impugnação da candidatura do presidente Lula, foi descartada.
Apoiadores
Os apelos para que o então mandatário agisse para impedir a posse de Lula, porém, não cessaram. Entre os visitantes do Alvorada no período estão dois bolsonaristas que já estavam na mira de órgãos de investigação por participação em atos antidemocráticos. O blogueiro Oswaldo Eustáquio e o influencer de direita Bismark Fugazza foram até a residência oficial no dia 12 dezembro, algumas horas antes de apoiadores do ex-presidente incendiarem carros e ônibus no centro de Brasília. Mais cedo naquele mesmo dia, Lula havia sido diplomado pelo TSE.
Ao GLOBO, Eustáquio disse que foi até lá para passar o recado de que as pessoas acampadas em frente aos quartéis esperavam uma ação do então presidente. Segundo ele, contudo, não chegou a se encontrar com o Bolsonaro, mas com um ajudante de ordens. Fugazza, por sua vez, disse que a ida ao Alvorada foi rápida e não quis dar detalhes sobre o que foi tratado ali.
O filho senador, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos que mais vezes esteve no Alvorada no período — 8 vezes, segundo as anotações dos ajudantes de ordem —, afirma que em nenhum momento o pai chegou a discutir medidas que representassem um golpe no país.
— Eu estava sempre lá como político e filho. E não me lembro de nada disso (reunião para discutir um golpe) — disse o parlamentar.
Em 30 de dezembro, o então presidente viajou aos Estados Unidos. Na última live como presidente, gravada naquele mesmo dia, o mandatário lamentou as tentativas fracassadas de reverter o resultado eleitoral:
— Como foi difícil ficar dois meses trabalhando para buscar alternativas.
Avião com Jair Bolsonaro decola de Brasília com direção ao Estados Unidos — Foto: Cadu Gomes/Agência O Globo/30-12-2022
Fonte: O GLOBO
0 Comentários