País pode ter percentual mais alto do mundo. Especialistas temem novas mudanças durante a tramitação do projeto

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que as novas exceções no texto da Reforma Tributária, incluídas pelo relator do projeto no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), elevam a alíquota padrão em meio ponto percentual. Haddad e Braga se reuniram em Brasília. Com base na proposta original, a estimativa da área técnica da Fazenda em agosto era que o percentual usado para calcular o valor do imposto ficasse entre 25,45% e 27%. Mas, com as novas concessões, a alíquota pode chegar a 27,5%.

— Em relação à versão que saiu da Câmara, aumenta em cerca de meio ponto (a alíquota padrão). Não chega a 28%. Como ampliaram as exceções, amplia em meio ponto. Essa estimativa demos à equipe técnica do Senado. Estamos dando transparência em tudo — afirmou Haddad, após o encontro.

Maior alíquota do mundo

No texto apresentado na semana passada, Braga fez uma série de mudanças, que incluem alíquota menor para profissionais liberais, como médicos e advogados, e um novo critério de tributação para a cesta básica, no qual parte dos alimentos terá alíquota zerada e outra contará com alíquota reduzida, entre outras mudanças no texto voltadas a setores específicos.

Com as mudanças, a Fazenda agora prevê alíquota entre 25,95% e 27,5%.

Caso o prognóstico da Fazenda se confirme, o país pode ter a maior alíquota de IVA do mundo. Um levantamento feito pelo escritório Bichara Advogados, com base em dados de países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que a maior alíquota é a da Hungria, com percentual de 27%.

Economistas temem que a proposta seja alvo de novas alterações durante a tramitação. Como o texto já foi aprovado na Câmara e modificado no Senado, terá que passar por nova votação dos deputados.

Os números ainda são vistos como avanço pela equipe econômica. A reforma prevê a unificação dos impostos, simplificando o sistema atual. Nesse novo sistema tributário, cinco tributos sobre o consumo serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Mas ele é “dual”, pois se divide em Contribuição sobre Bens e Serviços, que reúne impostos federais (PIS, Cofins e IPI), e em Imposto sobre Bens e Serviços, com tributos de prefeitura e estado (ISS e ICMS).

Haddad lembrou que a posição da Fazenda é conhecida quanto às concessões:

— Quanto menos exceções, melhor para o país. Mas a carga cairá para a maioria dos setores. Queremos promulgar a emenda constitucional ainda neste ano.

O ministro disse que o governo precisa de 49 votos para aprovação no Senado, mas trabalhará para garantir uma folga, com até 60 votos na Casa.

— Vamos concluir uma tarefa histórica, depois de 40 anos. Ela é perfeita? Nada é perfeito. Mas à luz do que temos, o salto de qualidade é inestimável. Vamos figurar entre os bons sistemas tributários do mundo, obviamente que temos uma transição, mas haverá efeitos sobre as expectativas de curto prazo.

Fundo de R$ 60 bilhões

Na semana passada, logo após apresentar seu relatório, Braga defendeu que o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), criado para compensar os estados, tivesse mais do que os R$ 60 bilhões previstos em seu relatório — o valor desse mecanismo era de R$ 40 bilhões no texto da Câmara.

Ao GLOBO, Braga disse na semana passada acreditar em novas mudanças durante a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça no Senado e disse que o FDR deveria ter R$ 100 bilhões. Nas palavras do relator, o governo já teria topado “o primeiro beijo”, em uma sinalização de novas concessões adiante. Ele afirma já ter acolhido mais de 250 emendas à proposta

Ontem, porém, Braga afirmou que o valor do FDR deve ser mantido em R$ 60 bilhões, conforme acordado com a pasta:

— O valor do fundo se mantém em R$ 60 bilhões. A reforma está dentro do prazo, acredito em aprovação em primeiro e segundo turnos.

Ele lembrou ainda que o relatório prevê uma “trava” para a cobrança de impostos sobre consumo, que será a média de 2012 a 2021:

— Garantimos uma trava constitucional. Haverá revisão de tributos a cada cinco anos. Teremos pequenos ajustes, alguns redacionais, para termos mais segurança jurídica. Está tudo dentro do prazo.

Para o economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto, a alíquota padrão tende a ficar bem maior do que o estimado até agora.

— Já tinha um cenário pessimista, que está se confirmando a cada alteração no texto, em que a alíquota deve ficar acima de 33% — afirmou.

Melina Rocha, consultora especializada em IVAs, diz que metade dos países que usam esse modelo tributário teve que adotar alíquotas reduzidas em alguns casos.

— Muitos modelos internacionais de IVA têm regimes diferenciados e alíquotas reduzidas. Acredito que o IVA que vai ser implementado no Brasil não foge muito destes modelos — disse. — Se o aumento for de meio ponto percentual, os novos regimes diferenciados e alíquotas reduzidas não terão impacto tão grande.

Segundo Melina, mesmo o Canadá, considerado referência, adotou taxa zero para alimentos essenciais. Na Índia, a aprovação só foi viabilizada pelas exceções.

Eduardo Fleury, advogado, economista e consultor do Banco Mundial, avalia que o maior impacto se dará com exceções para saneamento e concessão de rodovias:

— O caso dos profissionais liberais tem pouco impacto na arrecadação. Saneamento e concessão de rodovias são a conta maior.


Fonte: O GLOBO