Trechos que favorecem empresário Carlos Suarez migraram de medida provisória sobre energia renováveis para PL das eólicas offshore

O jabuti que havia sido incluído na medida provisória do marco regulatório das energias renováveis para beneficiar o empresário baiano Carlos Suarez, conhecido como o rei do gás, mudou de “endereço”.

Após a repercussão do caso, revelado pela equipe do blog na última quarta-feira (22), o artigo que beneficia os interesses de Suarez foi incluído no relatório do projeto de lei das eólicas offshore, que deve ser votado já nesta terça-feira.

Fontes que acompanham o assunto na Câmara disseram à equipe da coluna que, pela articulação de bastidores feita com o aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o projeto de lei relatado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) deve ser pautado após a reunião de líderes, prevista para às 10h.

Se confirmado, o texto será votado nesta terça-feira mesmo.

O texto passou a incluir o trecho que altera o cálculo do valor do megawatt das usinas térmicas tornadas obrigatórias pela lei da privatização da Eletrobras, de julho de 2021. Trata-se do mesmo jabuti que estava previsto na minuta de Medida provisória produzida pelo secretário-executivo do MME, Efrain Cruz.

No jargão político de Brasília, jabutis são dispositivos ou trechos incluídos na redação de leis ou medidas provisórias sem relação direta com o tema em discussão com o objetivo de serem aprovados sem alarde – como foi o caso da medida provisória sobre energias renováveis e, agora, do PL das eólicas offshore.

A fórmula permanece a mesma: o custo do transporte do gás deixa de ser incluído no preço do megawatt a ser oferecido nos leilões pelos interessados em construir as usinas – que, por sua vez, contratariam o transporte a partir de uma chamada pública feita pelo governo estadual junto com as distribuidoras regionais de gás.

Ao estabelecer que o custo do transporte não será computado no preço a ser oferecido no leilão das térmicas, mas apenas após a construção das usinas, a MP vai passar a conta do transporte para o consumidor – já que não há outra forma de transportar o gás senão construindo os gasodutos.

É exatamente o trecho que favorece Suarez, dono da Termogás, ao modificar o trecho mais polêmico da lei da privatização da Eletrobras – o que obrigava o governo a contratar o fornecimento de 8 mil megawatts (MW) de usinas termelétricas a gás nas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste a partir de 2026.

O empresário baiano seria diretamente beneficiado por ser o dono das concessões para fornecer gás às usinas previstas no Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, mas não dispõe de dutos para transportar o combustível. Estima-se que a construção dos gasodutos deva custar R$ 120 bilhões.

Na tentativa de dirimir resistências à obrigatoriedade da construção das usinas térmicas, um dos pontos mais controversos da privatização da Eletrobras, foi a redução na quantidade de térmicas a serem licitadas – diminuindo de 8 mil MW para 4.250 MW.

O restante será transferido para uma série de usinas movidas as outras fontes energéticas que não constavam como condicionantes da privatização da Eletrobras, como as de hidrogênio líquido e hidrelétricas.

Outro jabuti do PL de Zé Vitor que favorecerá Suarez, na avaliação de integrantes do setor energético, é a ampliação de contratações compulsórias e subsídios a pequenas centrais hidrelétricas, conhecidas como PCHs. Além de ser forte no ramo da distribuição de gás, o empresário tem uma participação relevante no mercado de PCHs.

Nós tentamos contato com o deputado mineiro para questionar o motivo da inclusão dos artigos no seu relatório, sem êxito. O espaço segue aberto para manifestações.

A inclusão súbita do artigo em um projeto de lei sem relação com o espólio da Eletrobras reflete a pressão nos bastidores de Brasília para que o “problema” de Suarez seja resolvido de uma vez por todas.

O Palácio do Planalto chegou a organizar uma cerimônia para a assinatura da medida provisória pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quinta-feira (23). O evento não chegou a ser divulgado oficialmente, mas empresários, políticos e operadores do setor energético foram comunicados sobre a solenidade.

No entanto, a cerimônia foi cancelada na véspera, cerca de duas horas após revelarmos a articulação de Efrain Cruz para incluir o jabuti na MP.

Cruz é advogado e foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até o ano passado. Ele mantém ligações com os senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Davi Alcolumbre (União-AP) e foi indicado para o conselho da Petrobras com o apoio da associação de distribuidoras de gás que representa justamente os interesses de Suarez.

O adiamento indicou que os padrinhos das alterações não quiseram arcar com o ônus de chancelar o jabuti publicamente. Mas bastaram apenas três dias para que encontrassem uma saída alternativa a tempo de ser votada antes do recesso parlamentar, que tem início no dia 23 de dezembro.


Fonte: O GLOBO