Ainda existem dúvidas de que o orçamento do FGTS possa suportar uma nova faixa, diante das possíveis mudanças no saque-aniversário e na taxa de remuneração do Fundo

A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ampliar uma das principais marcas das gestões petistas não ganhou tração no governo e não tem data para sair do papel. Os planos para incluir famílias com renda mensal de até R$ 12 mil no Minha Casa, Minha Vida estão parados, apesar de Lula ter falado sobre isso em junho e, no último dia 7, ter reforçado isso ao lado do ministro das Cidades, Jader Filho, durante uma live.

— Nós queremos que pessoas que queiram casa de três quartos, quatro quartos, possam ter uma casa financiada pelo governo — afirmou Lula na ocasião, na live semanal feita pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e transmitida nas redes sociais do governo.

Contudo, não há mais tempo para adotar a medida este ano e não existe previsão de que ela será adotada em 2024, segundo técnicos envolvidos nas discussões.

O programa foi lançado em 2009 como uma das principais bandeiras do PT e deu impulso à candidatura de Dilma Rousseff. Sem margem no Orçamento da União para financiar a política pública, o governo recorreu ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para conceder financiamento em condições mais favoráveis e garantir descontos para reduzir o valor da prestação para famílias de baixa renda.

Uma das inovações do Minha Casa, Minha Vida foi a doação de imóveis, com prestações simbólicas para as famílias sem capacidade de pagar um financiamento. Neste caso, a fonte de recursos seria o Orçamento da União.

No governo Michel Temer, a verba da União foi ficando cada vez mais escassa, esgotando-se na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que mudou o nome do programa para Casa Verde e Amarela. Ao voltar ao Planalto, Lula relançou o Minha Casa, Minha Vida e manteve como teto a renda familiar de R$ 8 mil para áreas urbanas. Para as famílias que moram em áreas rurais, o governo estabelece como teto uma renda bruta anual de até R$ 96 mil, que na prática também fica em R$ 8 mil por mês.

As taxas de juros foram reduzidas para 4% ao ano nas regiões Norte e Nordeste. A taxa máxima é de 8,16% ao ano, e o valor do imóvel subiu para R$ 350 mil. Após esses movimentos, Lula passou a falar em aumentar ainda mais a faixa de renda alvo do programa, no que chamou de “Faixa 4”.

Focos de pressão

Técnicos do governo, porém, dizem que há uma série de travas para esse plano. Uma delas é que não bastaria ampliar a faixa de renda para beneficiar a classe média. Também seria necessário elevar o valor máximo do imóvel, para R$ 500 mil, por exemplo.

No entanto, há dúvidas se o orçamento do FGTS suporta a ampliação. Um dos principais argumentos é que a verba do Fundo é alvo de duas fortes pressões. Uma vem do Ministério do Trabalho, que quer mudar a regra do saque-aniversário e permitir a retirada do saldo remanescente da conta de quem aderiu a esse tipo de modalidade, criada em 2019.

Segundo estimativas da Caixa repassadas ao governo, a mudança de critérios poderia retirar do Fundo R$ 18 bilhões no caso de demissões do passado e R$ 14,5 bilhões para futuras demissões. Pela regra do saque-aniversário, quem optou por essa modalidade só recebe a multa de 40% em caso de demissão e não pode sacar o saldo da conta por um prazo de dois anos. O projeto do Ministério do Trabalho encaminhado à Casa Civil permite sacar esse saldo em caso de demissão.

Outra pressão vem do Supremo Tribunal Federal (STF), que avalia obrigar que as contas sejam remuneradas pelo mesmo índice usado na poupança. Atualmente, os cotistas recebem 3% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR, hoje próxima de zero), além de parte do lucro anual do Fundo.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, é o relator do caso e deu um voto com um entendimento desfavorável ao Ministério das Cidades. Cálculos feitos pelo Poder Executivo estimam que, caso prevaleça a mudança proposta por Barroso, haveria impacto fiscal da ordem de R$ 31 bilhões em 15 anos, o que levaria a um déficit de contratação de habitações no Minha Casa, Minha Vida de 1 milhão de unidades.

Para este ano, a meta do governo é fechar com 450 mil contratações, chegando a dois milhões de unidades até 2026.

Como houve pedido de vista, o STF só deve retomar ao julgamento no ano que vem.

Recado negativo

Além disso, há o entendimento de que, neste momento, ampliar o programa passaria uma mensagem negativa. A avaliação é que seria contraditório incluir quem ganha até R$ 12 mil no programa ao mesmo tempo em que há uma indefinição no Judiciário sobre um assunto que pode impactar negativamente as contas da pasta.

Diante das incertezas, a votação do orçamento do FGTS para 2024, que costumava ocorrer em outubro no Conselho Curador do Fundo, está atrasada. O assunto deverá ser discutido na reunião do colegiado marcada para o próximo dia 28.

Este ano, a verba total do Fundo atingiu R$ 108,957 bilhões, sendo R$ 85,6 bilhões só para a habitação, sobretudo o Minha Casa, Minha Vida. O Fundo financia também projetos de saneamento e de infraestrutura urbana. O Ministério das Cidades quer ampliar esse valor e chegar a R$ 120 bilhões.

Em relação aos anos anteriores, o Orçamento do FGTS vem subindo. Em 2022, por exemplo, foram aplicados R$ 83,778 bilhões, sendo R$ 65,328 bilhões em habitação.

Entre 2009 e 2022, o Minha Casa, Minha Vida contratou cerca de 6 milhões de moradias. O orçamento do FGTS acumulado nesse período superou R$ 600 bilhões, sendo R$ 105 bilhões a título de desconto para reduzir o valor do financiamento para o mutuário.

Procurado, o Ministério das Cidades ressaltou em nota que a classe média já é contemplada pelo programa “nas faixas 2 e 3, que atendem famílias com renda até R$ 4,4 mil e R$ 8 mil, respectivamente. Quanto à proposta de elevar a renda familiar do faixa 3 para até R$ 12 mil, o assunto continua em estudo” na pasta.


Fonte: O GLOBO