Aposta em transição energética é criticada por céticos: 'ventilador no mar é inviável' e hidrogênio verde 'é bobagem', reclamou integrante da cúpula. Ânimos acirrados marcaram também discussão sobre mudança no estatuto
Embora a Petrobras venha batendo recordes de produção de petróleo, a estatal vive um verdadeiro impasse dentro de seu Conselho de Administração, cercado de intrigas nos últimos meses enquanto a companhia prepara seu novo plano de investimentos.
As desavenças envolvem os planos para a petroleira voltar a investir em energia de fontes renováveis e as mudanças propostas no estatuto da empresa, que podem reduzir as exigências para a indicação de cargos na companhia previstas na Lei das Estatais e abrir espaço para nomeações políticas, de acordo com os próprios conselheiros que discordam.
Nos bastidores da Petrobras, os desentendimentos ganharam novo tom há duas semanas, quando o colegiado se reuniu pela última vez.
A divisão se dá também na visão estratégica e acontece na reta final da preparação do novo plano de negócios da companhia (PNG) para os anos de 2024 a 2028, que, de acordo com fontes a par dos estudos, será superior a US$ 100 bilhões, maior que atual, de US$ 78 bilhões para o período 2023/2027.
Representantes indicados pelo próprio governo para o conselho (a União, como acionista majoritária tem seis das 11 cadeiras) têm questionado as apostas da atual direção executiva da estatal, liderada pelo presidente Jean Paul Prates, em aportar recursos nas fontes de energia renováveis.
Divergência vai parar no Planalto
Um dos conselheiros chegou a classificar a produção de hidrogênio como “bobagem” e afirmou que “ventilador no mar é inviável”, em referência às intenções da companhia de investir em projetos eólicos offshore (em alto-mar). Esse conselheiro defendeu manter o foco na alta produtividade do petróleo.
A controvérsia será levada ao presidente Lula ainda nesta semana, destacou uma das fontes ouvidas pelo GLOBO.
Além disso, alguns dos conselheiros indicados por acionistas minoritários, defendem a importância das fontes renováveis de energia, mas afirmam que é preciso cautela com a comprovação da viabilidade econômica dos projetos.
Nos últimos meses, a estatal vem assinando acordos de intenção com outras companhias do setor para investir em diversas fontes de energia limpa.
Produção de energia eólica no mar do Reino Unido, líder em parques offshore instalados: tendência global que Petrobras quer acompanhar — Foto: Bloomberg Creative
A temperatura aumentou quando um dos conselheiros da União tentou propor que o conselho desse o aval para a diretoria iniciar a análise de um possível projeto de energia verde, independentemente de seu valor.
Atualmente, o colegiado só entra em campo quando um novo investimento chega em suas fases finais de negociação, com a definição do aporte necessário para a análise dos conselheiros.
Sem consenso, mudança no plano
Os desentendimentos no conselho não se dão apenas entre indicados do governo e minoritários, representantes dos investidores privados. Também acontecem entre os seis indicados da União. Os minoritários ocupam quatro assentos e os funcionários têm um representante.
Uma das propostas lançadas na última reunião foi de a companhia cortar à metade todos os valores que pretende investir em energias de transição. Em clima tenso e sem uma definição ou consenso, o tema foi retirado de pauta.
Mas, diante das divergências cada vez mais frequentes no colegiado mais importante da estatal, ficou acertado que a diretoria iria alterar a forma como as renováveis serão destacas no novo plano de negócios.
A ideia, em estudo, é separar um determinado volume de recursos por segmento, como solar, hidrogênio, eólica em terra e eólica offshore, por exemplo. "Os projetos têm valores e dimensões diferentes e muitos são de médio e longo prazos", justifica uma das fontes.
Freio na nova estratégia
O temor, dizem fontes que estavam na reunião, é que um impasse entre os representantes da União, "inviabilize" a estratégia da estatal em investir em fontes de transição energética.
Segundo uma outra fonte, a resistência ocorre porque a companhia, ao investir em renováveis, poderia colocar em segundo plano outros temas, como a busca da autossuficiência em refino e o aumento dos recursos para produção de petróleo e, sobretudo, gás. "Tem se colocado bastante dificuldade", lamentou uma das fontes.
Com isso, a Petrobras, que havia informado que pretendia investir 15% do novo plano de negócios em fontes renováveis e projetos de baixo carbono, deve começar os primeiros anos da estratégia com um percentual de 7%.
A empresa também vai criar no novo plano uma espécie de "banco de reserva", já que, se um projeto for cancelado ou adiado, há outras opções em substituição.
Indicados do MME são apontados como 'céticos'
Segundo fontes, os conselheiros mais "céticos" em relação às fontes renováveis são dois indicados pela União: Pietro Mendes, presidente do conselho, e Efrain Pereira, ambos com cargos no Ministério de Minas e Energia (MME) e indicados pelo atual ministro da pasta, Alexandre Silveira, ligado ao PSD, e que já teve posições divergentes com as do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, ex-senador do PT.
Procurados por meio da assessoria de comunicação do MME, os dois conselheiros afirmaram que é preciso "aguardar a deliberação que ocorrerá no final deste mês", em referência à aprovação do plano de negócios, antes de se manifestarem.
Em nota, afirmaram que, em razão de questões relacionadas à confidencialidade, não podem qualquer comentário. "Entretanto, vale ressaltar que é diretriz já estabelecida para a companhia avançar em pautas relacionadas a transição energética", ressaltaram.
Em setembro deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um processo para apurar as responsabilidades da União e dos conselheiros Pereira e Mendes em razão de supostos conflitos de interesse na indicação de seus nomes à estatal.
Mendes é secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME e Efrain é secretário executivo do ministério, portanto integrantes do governo, o controlador da companhia.
Também em comunicado, Mendes e Pereira fizeram referência a um comunicado da própria estatal para apontar que a nomeação ocorreu de maneira legal, técnica e independente e que a indicação de ambos se sustenta a partir de pareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Advocacia Geral da União e dos requisitos de Governança da Petrobras.
Ata mostra que clima não favoreceu proposta polêmica
Foi nesse clima de discordância que o colegiado decidiu colocar em votação na reunião de duas semanas atrás as polêmicas mudanças no estatuto da empresa, usando com base em uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em março, que suspendeu os efeitos da Lei das Estatais na restrição a indicações de conselheiros e diretores em estatais que sejam titulares de cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou de campanha eleitoral. O tema já estava no colegiado há três meses, segundo uma fonte.
Porém, o impasse maior ocorreu em um dos itens apresentados na reunião, através de um dos comitês de assessoramento do conselho, o Comitê de Pessoas (Cope): o de “conflito de interesses".
Segundo a ata da reunião, à qual O GLOBO teve acesso, foi proposta a "alteração no artigo 21 do Estatuto Social no sentido de explicitar o entendimento da companhia da aplicação do conceito de conflito de interesses quando da avaliação dos requisitos de elegibilidade dos indicados aos cargos de Administrador e Conselheiro fiscal".
Em outro trecho, a ata diz que ficou decidido que "a companhia somente considerará hipóteses de conflito de interesses formal nos casos expressamente previstos em lei". O problema, lembraram três fontes, é que a lei de conflito de interesse não especifica de forma expressa todos os casos de conflito de interesse. Isso pode, segundo essas fontes, abrir espaço para qualquer indicação.
Na reunião, ao serem ouvidos, representantes das áreas de governança e jurídica da estatal pediram mais tempo para analisar o tema e explicitaram suas dúvidas. Mas foram obrigados a deixar a reunião, esquentando ainda mais o clima.
Petrobras não é autarquia, disse conselheiro apontando retrocesso
Segundo a ata, o conselheiro Marcelo Mesquita, representante dos minoritários, disse que a proposta em torno do conflito de interesses era um "retrocesso" para o país e para a Petrobras. Lembrou ainda que manter os requisitos no estatuto serve como camada adicional de proteção "evitando eventuais abusos".
Destacou que a Petrobras não é uma "autarquia". Petros Papathanasiadis e Marcelo Gasparino também foram contra. Os três são representantes de minoritários no conselho.
Jean Paul Prates, presidente da estatal e um dos representantes da União no conselho, se absteve de votar e disse que "o tema poderia ser aprofundado pelas áreas técnicas da companhia antes de ser deliberado pelo conselho".
Já Efrain Pereira votou a favor, segundo a ata, ponderando que o conselho "tem competência própria, com direito de fazer eventuais alterações sobre matérias submetidas pela diretoria executiva". Os demais seis membros, incluindo o presidente do colegiado, Pietro Mendes, votaram a favor, destaca o documento.
Fonte: O GLOBO
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