Decisão do STF sobre regra que restringe nomeações políticas foi adiada. Levantamento do GLOBO mostra 18 indicações e mais 40 nomes em conselhos que teriam que mudar

Ao agir nos bastidores para adiar a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre indicações de políticos para estatais, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva visa garantir indicações políticas que podem afetar mais de 30 empresas, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO.

Nesta quinta-feira, um pedido de vista do ministro Nunes Marques interrompeu a análise da corte sobre uma liminar do ministro hoje aposentado Ricardo Lewandowski que considerou inconstitucional trechos da Lei das Estatais.

O objetivo do governo é ganhar tempo porque avalia que o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado ao STF, daria um voto decisivo a favor da liminar de Lewandowski na corte caso seja aprovado pelo Senado para o cargo.

Se o STF derrubar a liminar e decidir manter as regras previstas na Lei das Estatais, pelo menos 18 indicações políticas para postos de direção ou em conselhos de estatais poderão ser derrubados.

O levantamento mostra ainda que cerca de 40 pessoas que estão em conselhos de administração podem ser afetadas. Nesse caso, são cadeiras em conselhos ocupadas por pessoas que estão em cargos de confiança no governo, como secretários de ministérios.

Para chegar a este número, o GLOBO cruzou a lista de dirigentes e conselheiros de 124 estatais, disponibilizada pelo Ministério da Fazenda, com a lista de candidatos nas eleições de 2022, com a lista de pessoas em cargos de direção em diretórios nacionais e estaduais do Tribunal Superior Eleitoral e com a lista de pessoas ocupando cargos de confiança no governo federal.

Entre as empresas que podem ser afetadas estão os Correios, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras.

O que diz a lei

A Lei das Estatais, aprovada em 2016, proíbe que uma pessoa que atuou nos últimos três anos como participante de estrutura decisória de partido político, ou em trabalho vinculado a organização de campanha eleitoral, seja nomeada para o conselho diretor ou diretoria de estatais.

Em março, o ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, considerou esse trecho inconstitucional. Ele também suspendeu outro trecho, que impede que ministro de Estado, secretários e outras pessoas da administração com cargo de confiança sejam indicados para a diretoria e conselho das estatais — a lei permite a nomeação apenas de servidores concursados nesses casos.

Direção e conselhos

Um dos casos que podem ser afetados é o do ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara, agora presidente do Banco do Nordeste, que era integrante da Direção Nacional do PSB. Procurado, Câmara não quis comentar.

Os cargos potencialmente afetados são de presidente, como com Paulo Câmara, mas também de vice-presidentes de estatais e diretores.

A liminar do ex-ministro Lewandowski, publicada em março deste ano, entretanto, afetará também indicações que este governo fez para os conselhos das estatais. Esse tipo de indicação é comum para aumentar os rendimentos mensais de servidores públicos, já que a participação em conselhos prevê um adicional no salário, os chamados "jetons".

A secretária-executiva do Ministério da Educação e ex-governadora do Ceará, por exemplo, Maria Izolda Cela, faz parte do Banco do Nordeste e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ela, entretanto, também constava como membro do diretório nacional do PDT no ano passado.

Outro caso relevante é o do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan. Além do cargo na pasta, ele também está no Conselho do Banco do Brasil. No seu caso, entretanto, a proibição não seria por atuação em órgãos partidários, mas por também ocupar cargo de confiança sem vínculo permanente, isto é, sem ser concursado.

O GLOBO procurou o Ministério da Educação e o Ministério da Fazenda, mas não teve resposta.

Os órgãos mais afetados, segundo o levantamento, seriam os Correios, o Banco do Nordeste e a Caixa, com quatro indicações cada. A Conab, entretanto, poderia perder três indicações apenas em cargos de direção.

Decisão de março

Na sua decisão de março, Lewandowski afirmou que, apesar da louvável intenção na criação da lei em evitar o aparelhamento político das estatais, os limites impostos seriam desproporcionais e, portanto, inconstitucionais, contra aqueles que atuam na esfera governamental ou partidária.

Há ainda os casos do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que desde a sua indicação gera dúvidas sobre a aplicação da lei das estatais. Ele foi candidato a 1º suplente de senador nas últimas eleições, pelo Rio Grande do Norte.

O trecho em discussão veda a indicação daqueles que, nos últimos três anos, aturam "em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral", sem especificar se ela se aplica ou não ao próprio candidato.

Em nota, a Petrobras afirmou que, na sua visão, não há impedimento à indicação de Prates mesmo que a liminar de Lewandowski seja derrubada.

"Todas essas hipóteses, mesmo antes da existência da liminar do Ministro, foram exaustivamente analisadas à época de sua nomeação, e a indicação do nome de Prates para assumir a presidência da companhia foi aprovada por todas as instâncias exigidas por normas internas", afirmou a empresa.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, também poderia ser afetado. O petista era presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, até o ano passado.

Um despacho do Tribunal de Contas da União aprovou a indicação de Mercadante porque considerou que a contribuição do presidente do BNDES à campanha de Lula teve natureza intelectual e não foi remunerada.

Procurado, Mercadante disse que não exerceu qualquer função remunerada na campanha do presidente Lula em 2022, não tendo sido vinculado a qualquer atividade de organização, estruturação ou realização da campanha.

“Mercadante colaborou com a elaboração do programa de governo, função esta não abarcada nas limitações da Lei das Estatais”, afirma o texto.


Fonte: O GLOBO