Herdeira faz parte do pequeno grupo de super-ricos que quer não só redistribuir riqueza, mas desafiar sistema que lhe permitiu acumular milhões de euros
Nos próximos dias, cerca de 10 mil austríacos encontrarão nas suas caixas de correio um convite de uma herdeira pedindo a sua ajuda para gastar 25 milhões de euros (cerca de 27,4 milhões de dólares) da sua herança. E não é uma fraude ou uma jogada de marketing. Em vez disso, a herdeira Marlene Engelhorn disse que foi uma tentativa de desafiar um sistema que lhe permitiu acumular milhões de euros.
Engelhorn, 31 anos, cresceu em Viena e há anos tem feito campanha por políticas fiscais que redistribuam a riqueza herdada e abordem a desigualdade económica estrutural. Sem essas leis tributárias em vigor, ela recorre ao público para decidir como seu dinheiro deve ser gasto.
Os 10 mil austríacos que receberem convites serão reduzidos a 50, com o objetivo de refletir a população do país com base em dados demográficos como sexo, idade e rendimento. O grupo, denominado "Guter Rat" (ou bom conselho, em português), vai se reunir na cidade de Salzburgo, na Áustria, durante seis fins de semana este ano para discutir a melhor forma de gastar o dinheiro.
“Um bom plano precisa de muitas perspectivas. Não apenas de um indivíduo que herdou. Só porque desejo melhorar o estado da nossa sociedade não significa que eu tenha um bom plano” diz Engelhorn, num comunicado no site do projeto.
De onde vem a herança?
A herança de Engelhorn teve origem com Friedrich Engelhorn, que fundou a BASF, uma das maiores empresas químicas do mundo, em 1865. Sua família também era proprietária da Boehringer Mannheim, uma empresa farmacêutica e de equipamentos de diagnóstico médico, até ser vendida por US$ 11 bilhões em 1997.
Antes do anúncio do projeto na terça-feira, a herdeira se comprometeu a doar pelo menos 90% da sua herança multimilionária. Ela faz parte de um pequeno movimento dos super-ricos que querem não só redistribuir o seu dinheiro, mas também desafiar as estruturas que lhes permitiram herdar as suas riquezas em primeiro lugar. A Áustria aboliu o seu imposto sobre heranças em 2008.
Não está claro qual fatia da sua herança Engelhorn destinou ao projeto, cujo nome completo é Guter Rat für Rückverteilung, ou "o bom conselho para a redistribuição". Bernhard Madlener, porta-voz do projeto, disse em e-mail que se trata de uma “grande maioria”.
Convites enviados a 10 mil pessoas
Na terça-feira, o projeto enviou convites por correio a 10 mil pessoas na Áustria, escolhidas aleatoriamente a partir de uma base de dados nacional. Os participantes devem ter pelo menos 16 anos, mas não precisam ser cidadãos austríacos ou falar alemão.
O grupo vai se reunir de março a junho para debater e ouvir especialistas sobre questões como a distribuição de riqueza e a forma como as organizações não governamentais são financiadas. Serão selecionados 15 membros substitutos caso alguém não possa comparecer.
Os membros do Guter Rat receberão € 1,2 mil (ou cerca de US$ 1,3 mil) por cada fim de semana. Estarão cobertos custos de hotéis, refeições e viagens, assim como as despesas para resolver problemas que possam impedir as pessoas de comparecer, como creches e intérpretes. Os membros serão anônimos, a menos que decidam falar publicamente.
Há limites sobre como os fundos podem ser gastos, de acordo com o site do projeto. O dinheiro não pode ir para grupos ou pessoas “inconstitucionais, hostis ou desumanas” e não pode ser investido em instituições com fins lucrativos. O dinheiro também não pode ser redistribuído aos membros do grupo ou “partes relacionadas”.
Dinheiro pode ser devolvido à herdeira se não tiver bom destino
Se o grupo não conseguir encontrar uma forma amplamente atualizada de distribuir o dinheiro, eleserá devolvido à herdeira.
O projeto foge dos métodos que alguns super-ricos têm usado para se desfazer de seu dinheiro, como a criação de fundações para causas que apoiam ou a doação a grupos existentes. Engelhorn disse que esses caminhos ainda davam aos ricos um poder que eles não haviam conquistado.
Na declaração de Engelhorn sobre o projeto, ela disse que doar dinheiro não “resolve o problema do fracasso político” e que isso “me dá um poder que eu não deveria ter”. “A redistribuição deve ser um processo que vai além de mim”, disse ela.
Depois que o Guter Rat for estabelecido, Engelhorn se retirará do projeto e renunciará a toda autoridade de tomada de decisão, segundo o site do projeto.
“Ela se reserva no direito de continuar comentando sobre os tópicos de distribuição e redistribuição de riqueza, mas não tem direito de veto ou direitos semelhantes em relação aos resultados da discussão no Conselho e aos 25 milhões de euros”, diz o site. “O Conselho decide.”
Fonte: O GLOBO
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