Suspeito de 29 anos afirmou que ateou fogo no local para tentar encobrir um assassinato; disse, ainda, que estava sob efeito de drogas e não imaginou a proporção do caso

A polícia sul-africana prendeu um homem de 29 anos que confessou ter causado o incêndio que matou 77 pessoas em um prédio abandonado no centro de Joanesburgo no ano passado, disse uma porta-voz da polícia e um defensor das vítimas nesta quarta-feira. O caso teria começado com uma disputa relacionada a drogas que o levou a estrangular um homem e atear fogo no corpo dele.

O homem, cujo nome não foi divulgado, foi preso nesta terça-feira sob 77 acusações de assassinato, e 120 acusações de tentativa de homicídio, disse a Coronel Dimakatso Nevhuhulwi, porta-voz da polícia da província de Gauteng, que inclui Joanesburgo. Ele fez sua confissão durante a audiência de uma comissão especial que investiga o incêndio, que se alastrou por um prédio de quatro andares em 31 de agosto.

A comissão foi informada de que o número exato de mortos era incerto devido à grande quantidade de queimaduras. Em preparação para a comissão, que teve início ainda no último ano, Andy Chinnah, defensor das vítimas, disse que ele e outros ativistas entrevistaram mais de 300 sobreviventes. Enquanto havia teorias de que o incêndio poderia ter sido resultado de uma negociação de drogas ou uma briga doméstica, o depoimento do suspeito pareceu surgir do nada.

— Ficamos chocados quando ele se incriminou — disse Chinnah, que foi informado sobre o depoimento por advogados da Norton Rose Fulbright, que representa as vítimas. — Eu acredito nele? Nada é impossível. Mas simplesmente não faz sentido um corpo ser incendiado e causar um incêndio tão grande.

O homem deverá comparecer a um tribunal em Joanesburgo nesta quinta-feira, informou a polícia. Testemunhando a portas fechadas para proteger sua identidade, o suspeito disse que um traficante de drogas com quem trabalhava no prédio o chamou para lidar com alguém com quem havia entrado em conflito, disse Chinnah. Um advogado da Norton Rose Fulbright confirmou a versão dele sobre o depoimento.

O suspeito disse que ele e o traficante levaram o homem para um escritório no prédio com um saco na cabeça e o agrediram. Quando o traficante saiu, o homem retirou o saco e percebeu que conhecia a pessoa que acabara de agredir. Em pânico, ele o estrangulou, afirmou Chinnah. Em seguida, foi a um posto de gasolina, voltou ao prédio, despejou gasolina no corpo e o incendiou.

Durante seu testemunho, o suspeito declarou que estava sob efeito de drogas na época e não imaginava que o fogo se espalharia daquela maneira. Ele disse que se sentiu culpado ao ficar do lado de fora e ver uma mulher e uma criança se jogarem do prédio na tentativa de escapar do incêndio. O caso chamou a atenção internacional para centenas de prédios precários e ilegalmente ocupados em Joanesburgo.

Esses acampamentos de ocupação urbana são conhecidos como prédios “sequestrados”, porque gangues que negociam drogas frequentemente os tomam e extorquem os moradores por pagamentos de aluguel.

Habitações precárias

A comissão que investiga o incêndio interrompeu seu trabalho no ano passado após o prédio queimado ter sido considerado um risco. As audiências foram retomadas neste mês e transmitidas ao vivo, embora o homem tenha testemunhado a portas fechadas com medo de que líderes de gangues o matassem, disse o principal advogado da comissão, Ishmael Semenya, durante uma parte pública da audiência.

— A vida dele pode ficar em perigo se for tornada pública — disse o advogado.

Enquanto a polícia continua sua investigação, o prédio permanece lacrado, com as entradas isoladas por arame farpado. As autoridades realocaram muitos dos sobreviventes em um acampamento. Entre os mortos estavam pelo menos uma dúzia de crianças, migrantes de outros países africanos e professores e técnicos. Vizinhos disseram que o prédio também abrigava gangues criminosas que vendiam drogas.

O governo era proprietário do prédio e de muitos outros parecidos. Os repórteres do New York Times identificaram pelo menos 127 edifícios semelhantes no centro de Joanesburgo, indo bloco por bloco e pesquisando registros. O presidente Cyril Ramaphosa chamou o incêndio de um “alerta" para a África do Sul, onde o custo de vida torna a habitação inacessível para muitos, e onde os governos municipais fazem vista grossa quando as pessoas ocupam prédios imundos.


Fonte: O GLOBO