A decisão da Receita Federal de suspender um ato editado no governo Bolsonaro que ampliava a isenção de impostos sobre salários pagos a líderes religiosos vai testar a capacidade de o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, costurar uma saída para apaziguar os ânimos da bancada evangélica.
Após reunião com integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, na última sexta-feira (19), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que vai discutir com a AGU e o Tribunal de Contas da União (TCU) uma solução para o impasse e reclamou do que seria uma “politização indevida” da questão.
Até agora, no entanto, o assunto é desconhecido dentro do TCU, que não foi consultado sobre a criação do grupo de trabalho. “Quando quer, Haddad resolve as coisas sozinho. De duas, uma: ou ele está jogando a bomba na mão do Messias ou ele acha que o Messias vai conseguir resolver”, avaliou reservadamente ao blog um interlocutor do ministro da AGU.
Segundo a equipe da coluna apurou, Messias já determinou que a sua equipe estude o caso — o próprio ministro ainda não sinalizou qual posição deve tomar. A reunião com lideranças evangélicas do Congresso deve ocorrer no início de fevereiro, após a temporada do chefe da AGU na Espanha e na Costa Rica para a abertura dos trabalhos da Corte Interamericana.
“O importante é resolver a questão, embora tê-lo como ministro da AGU e irmão em Cristo facilite a linguagem e o diálogo”, afirmou o presidente da frente evangélica do Congresso, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM).
Messias é da Igreja Batista e, até o início do governo Lula, não costumava falar publicamente sobre sua religião. Em junho do ano passado, foi escalado pelo presidente Lula para representar o governo na Marcha Para Jesus, em São Paulo, mas acabou vaiado ao mencionar o nome do petista em um breve discurso direcionado a um segmento do eleitorado que prefere o bolsonarismo.
— Meus irmãos, nós não vivemos para esse mundo, vivemos para o reino. E é isso que nos diferencia e por isso estamos aqui hoje. Eu vim aqui dizer pra vocês, a pedido do presidente, que no Brasil há homens e mulheres que vivem para o reino e nós entendemos que nós estamos lá não por nossas próprias pernas, mas fomos escolhidos por Deus. Nosso povo quer paz e nós vamos trabalhar pela paz, foi isso que o presidente pediu que eu falasse pra vocês hoje — declarou Messias na ocasião.
Apesar das vaias do público, o ministro-chefe da AGU tem bom trânsito com a bancada evangélica, o que veio à tona durante a sucessão no Supremo Tribunal Federal (STF) pela vaga aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em setembro do ano passado.
Na época, parlamentares conservadores torciam pela indicação de Messias para o STF, sinalizando ao Planalto que, se ele fosse escolhido, sofreria baixa rejeição dentro do Senado, ao contrário de Flávio Dino, notório desafeto do clã ex-presidente da República.
De perfil discreto e conciliatório, em contraposição à postura beligerante e midiática de Dino, o advogado-geral da União teve o apoio de parlamentares do PT de São Paulo, do senador Jaques Wagner (PT-BA), de quem foi chefe de gabinete, e do Prerrogativas, influente grupo de advogados próximo de Lula.
Dino acabou aprovado pelo Senado, com 47 votos favoráveis e 31 contrários, mas integrantes do governo Lula avaliam que, se o presidente for reeleito, o chefe da AGU é forte candidato para assumir uma das próximas vagas que serão abertas no Supremo em um eventual segundo mandato – Luiz Fux se aposenta em 2028 e Cármen Lúcia, em 2029.
Esta não é a primeira vez que o ministro da AGU é chamado para encontrar uma saída para um problema do governo.
Em agosto do ano passado, foi a AGU quem deu a Lula sinal verde para liberar a exploração de petróleo em alto-mar na bacia da foz do Rio Amazonas, que havia sido negada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), desencadeando uma crise no governo – especialmente com a ministra Marina Silva.
Em outra batalha no setor energético, Messias capitaneou a estratégia jurídica do governo Lula, que acionou o Supremo para aumentar o poder do governo na Eletrobras, privatizada em junho de 2022, em uma negociação pela qual investidores pagaram R$ 33,7 bilhões.
A ofensiva jurídica da AGU foi impulsionada pelo discurso de Lula, que disse em entrevista que “o governo vai voltar a ser dono da Eletrobras” e que a privatização foi “um crime de lesa-pátria”.
Em dezembro do ano passado, o relator do caso no STF, ministro Kassio Nunes Marques, decidiu encaminhou a controvérsia para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, órgão da AGU.
Como se vê, não faltam missões para o advogado-geral da União.
Fonte: O GLOBO
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