Emenda foi incluída pelo relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias para obrigar o governo a empenhar todo o valor de emendas impositivas até a metade do ano

Em mais um capítulo da queda de braço com o Congresso pelo controle do Orçamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou dispositivo incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que previa um calendário para a liberação de emendas parlamentares. 

A medida foi articulada por congressistas, que desejam irrigar os cofres de prefeituras aliadas com verba pública antes das campanhas eleitorais. Deputados e senadores já se articulam para derrubar a decisão do governo na volta do recesso do Legislativo, em fevereiro.

O cronograma foi uma inovação apresentada pelo relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), para que as chamadas emendas impositivas, ou seja, aquelas que o governo é obrigado a pagar, sejam empenhadas até o dia 30 de junho. O empenho é a primeira etapa do pagamento dos recursos, quando o dinheiro é reservado no Orçamento.

Embora o pagamento seja obrigatório, o ritmo em que emendas são liberadas é definido pelo Palácio do Planalto, que usa esse poder para barganhar apoio. É comum, por exemplo, que volumes maiores de recursos sejam empenhados na véspera de votações importantes.

Ao vetar o calendário, o governo avaliou que a medida poderia “aumentar a rigidez na gestão orçamentária e financeira e dificultar a gestão das finanças públicas”. O argumento dos que defendem o calendário, por sua vez, é o de gerar mais previsibilidade para os investimentos nos municípios. A lei eleitoral também veda novos empenhos no período de campanha eleitoral. Assim, caso o governo não se comprometa a liberar o recurso até junho, só poderia fazê-lo em novembro.

— Como tudo foi aprovado com ampla discussão dentro do Congresso e inclusive com setores do governo, acredito que (os vetos) serão derrubados — disse Forte ao GLOBO.

Um dos principais nomes da oposição, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) também defende a manutenção do calendário e disse que atuará para derrotar o governo.

— Ao impedir que recursos destinados por parlamentares cheguem aos municípios, o governo prejudica diretamente a população — afirmou ele.

O líder do seu partido na Câmara, deputado Luizinho (PP-RJ), acredita que, como houve consenso no Congresso para aprovação do calendário, o veto deve ser derrubado. A bancada do partido, que integra o governo e inclui o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Planalto, tem 50 parlamentares.

— Vamos no retorno (dos trabalhos no Legislativo) conversar, mas se aprovamos o texto original a tendência é derrubar o veto — disse.

A decisão de Lula, contudo, é defendida por aliados no Congresso, como o deputado Reimont (PT-RJ), vice-líder do PT na Câmara. Ele vê um desvirtuamento na forma como o Parlamento tenta tomar o controle do Orçamento.

— Acompanhei muito de perto o que chamam de orçamento secreto e defendo os vetos presidenciais. Houve um descontrole e um desvirtuamento do controle do orçamento nos últimos anos e, pelo bem da democracia, é preciso encontrar um equilíbrio — afirmou Reimont.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) afirma que o calendário fere a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal e, por isso, o governo não poderia sancionar o trecho na LDO.

— O governo tem interesse em liberar as emendas antes das eleições. Agora, ele não pode estar obrigado por uma lei a fazer algo inconstitucional. Isso tem que ser um acerto político de liberação de emendas. Tem que ser conversado, não imposto irregularmente — disse Zarattini.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), afirma que será feito um trabalho para a manutenção da decisão de Lula, uma vez que considera “impróprio” o Executivo ser obrigado a pagar as emendas sem uma previsão de receita equivalente.

— Vamos dialogar ao máximo com o Parlamento sobre a impropriedade desses dispositivo e, por óbvio, a necessidade da manutenção do veto para saná-lo.

Para o analista político da Arko Advice, Cristiano Noronha, Lula seguiu as orientações da equipe econômica ao vetar o dispositivo, mas corre o risco sofrer uma nova derrota no Congresso.

— O risco para o governo é alto porque é ano eleitoral. Tem uma quantidade razoável de parlamentares que concorrem às eleições e mesmo aquele que não concorre, tem ali prefeitos que apoiam. Esses recursos são fundamentais para impulsionar algumas obras nessas cidades — afirmou Noronha.

Queda de braço

Essa não seria a primeira vez que o presidente sofreria uma derrota após vetar projetos aprovados no Congresso. No ano passado, ele foi contrariado pelos parlamentares ao tentar barrar a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas e quando vetou parte do chamado marco das garantias, que estabelece novas regras para uso de bens como garantia de empréstimos.

Além da possibilidade de ter novamente um veto derrubado, Lula deverá enfrentar desgaste com o Congresso na volta do recesso por causa da MP que prevê novas medidas de arrecadação. Após ser publicada no último dia útil de 2023, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que pode devolvê-la sem nem iniciar sua tramitação.

Apesar de ter contrariado o Congresso Nacional na questão do calendário, o presidente Lula manteve uma regra que limita o bloqueio em emendas de comissão, que não são impositivas e costumam ser usadas nas negociações políticas. De acordo com a LDO, as emendas de comissão só poderão ser contingenciadas no limite proporcional ao que for cortado das demais despesas discricionárias.

O presidente também vetou outro trecho, que foi articulado pela oposição no Congresso, e proibia que a União repassasse recursos do Orçamento a cinco itens: invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas; ações ligadas ao que identifica como incitantes de “opções sexuais diferentes do sexo biológico”; que atentem contra “o conceito de família tradicional; cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo; e realização de aborto, exceto em casos previstos em lei”. O trecho foi aprovado durante votação no plenário, por meio de uma emenda apresentada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que batizou o texto de “emenda patriota”.

Queda de braço Executivo x Parlamento

Alguns vetos de Lula

Lei dos agrotóxicos


Lula vetou criação de taxa e derrubou trechos que davam mais autonomia ao Ministério da Agricultura para reanálise de produtos, retirando a função do Ibama e da Anvisa.

Lei das offshores

Governo retirou do texto dispositivo após entender que a iniciativa criava barreira à entrada de novos participantes nos mercados de valores mobiliários e contrariava parâmetros já regulamentados pela CVM.

Lei das Polícias Civis

Lula vetou trechos como aposentadoria integral e carga horária máxima de 40 horas semanais sob a justificativa de que seria inconstitucional e de "interferência indevida na organização político-administrativa do ente federado", já que as polícias civis são subordinadas aos governadores.

Vetos derrubados mais emblemáticos

Marco temporal


Congresso derrubou veto de Lula ao projeto. Com isso, passa a valer a tese que estabelece que os povos indígenas somente terão direito à demarcação de terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Desoneração da folha

Também foi derrubado veto do presidente ao projeto de lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores da economia que mais empregam no país.

Marco de garantias

O Parlamento também derrubou vetos do presidente à lei que estabelece novas regras para uso de bens como garantia de empréstimos.


Fonte: O GLOBO