Pesquisadores compararam o peso e a altura de filhos de diferentes grupos de mães para analisarem o impacto das variáveis étnico-raciais no desenvolvimento

Mais de um quarto das crianças indígenas brasileiras de até 5 anos têm baixa estatura para a idade, uma forte evidência de desnutrição infantil, revela um estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia). Os pesquisadores compararam o peso e a altura de filhos de diferentes grupos de mães para analisarem o impacto das variáveis étnico-raciais no desenvolvimento infantil. Em relação às crianças brancas, as indígenas possuem, em média, 740 gramas de peso e 3,3 centímetros de altura a menos.

Os autores do estudo, publicado neste mês na revista científica internacional “BMC Pediatrics”, cruzaram dados de 4 milhões de crianças nascidas entre janeiro de 2003 e novembro de 2015 para chegar aos resultados. Todas são filhas de mães registradas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, ou seja, são de grupos sociais vulneráveis, elegíveis a programas sociais de transferência de renda. Por isso, as diferenças entre média de peso e altura das crianças brancas e pretas não eram tão acentuadas, ainda que existentes.

A maior discrepância observada foi referente ao grupo de filhos de indígenas. Além de 26,7% das crianças terem baixa estatura, 6% tinham baixo peso. Nutricionista da UFBA e primeira autora do artigo, Helena Benes explica que o peso é um valor que flutua muito nessa idade, enquanto a altura é uma marca mais assertiva para se atestar a desnutrição crônica.

Infâncias diferentes — Foto: Editoria de Arte

— Os resultados para crianças indígenas chamam muita a atenção. Foi uma população que sofreu com eventos de desnutrição, e o desenvolvimento infantil tem relação com o ambiente. Nos primeiros anos de vida, o crescimento se dá muito pela qualidade de vida, do sono, o acesso à alimentação e à água de qualidade. Crianças filhas de mães indígenas têm crescimento afetado, provavelmente por baixa ingestão de nutrientes — alerta Benes.

O estudo se debruçou sobre os dados macro, compilando os resultados finais sem análise individualizada das variáveis que causariam as discrepâncias no peso e na altura. Mas as médias indicam hipóteses sobre as diferentes trajetórias de crescimento de acordo com os grupos étnicos-raciais.

Os filhos de mães brancas foram usados como referência, por apresentarem os melhores resultados: 8,6% tinham baixa estatura e 2,5%, baixo peso. Para as crianças pardas, as taxas de prevalência de baixa altura e baixo peso foram de 11,8% e 3,8% do total, respectivamente. De crianças pretas, 10,4% e 3,5%. E de crianças asiáticas, 11% e 3,6%.

O estudo também quantificou a diferença média entre as alturas e os pesos das crianças dos diferentes grupos. Depois das indígenas, a maior foi registrada entre filhos de mães pardas: 0,6 centímetro e 250 gramas a menos que as brancas. Em seguida, vieram os descendentes asiáticos (0,39 cm e 220 gramas a menos) e os nascidos de mães pretas: 0,21 cm e 150 gramas a menos.

— Nenhum grupo consegue ter peso ou altura média maior que o dos filhos de mães brancas — destaca Benes, que explica o motivo da divisão de grupos acontecer pela raça das mães. — Depende muito do acesso social da mãe. É a renda dela que impacta na alimentação da criança, por exemplo. E os serviços aos quais elas têm acesso, como de saúde e escolaridade.

A nutricionista admite que antes da análise ela e a estatística Juliana Freitas, coautora do artigo, acreditavam que a discrepância entre filhos de mães brancas e pretas seria maior. Mas como o universo total analisado faz parte de um grupo social semelhante — todas com acesso ao CadÚnico — as diferenças no desenvolvimento podem ter sido reduzidas.

— Se o grupo de referência fosse de fora do Cadastro Único, a diferença seria ainda mais gritante — afirma Benes, que destaca a importância que os dados têm para direcionamento de políticas públicas aos diferentes grupos. — Embora a literatura científica já tenha discutido amplamente como o racismo impacta em desfechos negativos ao nascer, como prematuridade e baixo peso, poucos estudos se aprofundaram no impacto do racismo no crescimento infantil de crianças brasileiras.

Nos últimos anos, estatísticas e artigos científicos recentes revelaram que a desnutrição entre os ianomâmis é uma das mais graves do mundo. A Terra Indígena Yanomami vem sofrendo uma crise sanitária a partir da invasão de garimpeiros, contaminações e desmatamento no território. Em 2021, 56,5% das crianças da etnia chegaram a algum nível de déficit de peso, segundo dados do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena.

Desde 2015, a desnutrição infantil na reserva ianomâmi vem afetando cerca de metade da população de menos de 5 anos. No início do ano passado, fotos de bebês e crianças desnutridas foram divulgadas por lideranças indígenas como forma de denunciar o problema. Em seguida, o governo federal iniciou uma operação na região e organizou resgates de quem estava em situação grave. Segundo o Ministério da Saúde, 307 crianças com desnutrição moderada a grave foram resgatadas ao longo do ano passado.

Baixa escolaridade

Do universo de indivíduos analisados pela pesquisa da Fiocruz, a maioria era de filhos de mães pardas (64,33%), seguidos pelos filhos de mães brancas (30,86%), de mães pretas 3,55%, de mães indígenas (0,88%) e de mães com descendência asiática (0,38%). Benes explicou que, mesmo em menor número, o conjunto de dados da população indígena era suficiente para a análise estatística, através dos modelos utilizados.

Além da origem étnica-racial, a pesquisa também identificou outras características: a maior parte dessas mulheres eram residentes de áreas urbanas (com exceção das mulheres indígenas, das quais 73,83% viviam em zonas rurais), e residiam em condições de habitação consideradas mais precárias (30,04%).

Em relação à escolaridade, mulheres indígenas e pretas possuíam os menores níveis educacionais (27,52% e 13,76%, respectivamente), além dos maiores índices de incompletude do acompanhamento pré-natal (67,44% para as indígenas e 47,02% para mulheres pretas).


Fonte: O GLOBO