Principal articulador do bolsonarismo no Ocidente, Eduardo Bolsonaro empilha encontros com lideranças e amplia intercâmbio de ideias extremistas
O avanço da extrema-direita portuguesa nas eleições, quando o partido Chega quadruplicou sua presença no Parlamento, amplia a série de vitórias que o bolsonarismo observa ao seu redor desde que Jair Bolsonaro deixou o poder. O cenário internacional tem empolgado a direita brasileira.
A eleição de Javier Milei na Argentina, o caminho aberto para o retorno de Donal Trump à Casa Branca e o estrelato a que chegou Nayib Bukele com seus ataques aos direitos humanos em El Salvador se tornam inspiração para o retorno do bolsonarismo ao Palácio do Planalto em 2026.
No domingo, o Chega, sigla antissistema fundada em 2019, passou de 12 para 48 deputados, conquistando 18% dos votos, e reforçou os laços com a extrema-direita brasileira.
Figura-chave de articulação dessa rede global de direita é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O parlamentar tem organizado encontros com lideranças internacionais nos últimos anos e não perde a oportunidade de saudar cada vitória de seus aliados estrangeiros.
Além de ter parabenizado André Ventura, fundador do Chega, pelo desempenho de seu partido no domingo, Eduardo tem dado atenção especial a Portugal. Em janeiro, ele participou de um seminário do Instituto Veritas Liberat, criado com inspiração em ideias de Olavo de Carvalho, com outros militantes em Lisboa.
O evento, que discutiu "a nefasta agenda de esquerda e a sua cultura woke, ideologia de gênero, falácia climática e agenda 2030", teve apoio do canal de Sérgio Tavares. O português ficou conhecido no Brasil após ter sido barrado pela Polícia Federal em sua chegada para cobrir a manifestação de 25 de fevereiro, convocada por Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo.
Enquanto isso, comunicadores do bolsonarismo como Kim Paim — que tem, entre os 770 mil inscritos em seu canal do YouTube, espectadores como Jair Bolsonaro — compartilham as lições que o Chega pode dar à direita brasileira.
Em junho de 2022, Eduardo trouxe Milei como uma das estrelas internacionais de um evento organizado pelo deputado federal em Campinas (SP), o CPAC Brasil. No palco ao lado do candidato de extrema-direita derrotado por Gabriel Boric na eleição chilena, José Antonio Kast, e diante de centenas de pessoas, Milei defendeu o Estado mínimo que agora tenta implementar em seu governo.
O argentino teve como estrategista digital de sua campanha o consultor Fernando Cerimedo, conhecido no Brasil depois de divulgar uma live com mentiras sobre a legitimidade das urnas eletrônicas nas eleições de 2022 no país. À época, o conteúdo foi amplamente divulgado por bolsonaristas e terminou suspenso pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Eduardo contratou um funcionário de Cerimedo, Giovanni Larosa, para sua campanha à reeleição à Câmara dos Deputados em 2022, segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral. Entre o primeiro e segundo turnos da eleição presidencial, Larosa acompanhou Eduardo numa viagem à Argentina. O caso foi revelado pela investigação "Mercenários Digitais" e publicado pelo veículo Agência Pública em julho de 2023.
O próprio CPAC Brasil é fruto da articulação de Eduardo com conservadores americanos. Muito ligado à ala radical do Partido Republicano de Trump, o evento original costuma atrair multidões nos Estados Unidos. Eduardo costuma convidar Matt Schlapp, presidente da American Conservative Union, organizadora do CPAC, para as edições brasileiras.
O intercâmbio entre as direitas brasileira e americana se acentuou principalmente entre 2019 e 2020, época em que tanto Bolsonaro quanto Trump governavam seus países. Em fevereiro de 2019, o ex-estrategista da campanha de Trump, Steve Bannon, nomeou Eduardo como representante sul-americano do The Movement, grupo criado para fortalecer a rede internacional da extrema-direita.
Bolsonaristas vêm multiplicando suas agendas no exterior para reforçar laços. Na quarta-feira, Eduardo desembarcou nos Estados Unidos com cerca de 20 parlamentares brasileiros para "denunciar a escalada do autoritarismo no Brasil" ao Comissão de Direitos Humanos do Congresso americano. Sérgio Tavares acompanha o grupo.
— Nós estamos aqui (...) para tentar levar nossa voz para fora do país, trazer consciência de que o Brasil não é mais uma democracia. O que está ocorrendo realmente é uma perseguição contra os conservadores. Vamos pedir ajuda da comunidade internacional — declarou Eduardo num vídeo publicado em Washington.
A Espanha também aparece com destaque nessa rede internacional. Santiago Abascal, presidente do partido de extrema-direita Vox, é próximo de Eduardo. O espanhol veio ao Brasil em dezembro de 2021 para participar em Várzea Grande (MT) do Congresso Brasil Profundo, organizado pelo Instituto Conservador-Liberal, fundador pelo deputado federal.
Uma das principais referências da Europa por seu avanço de políticas ultraconservadoras é Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria chamado de "irmão" por Bolsonaro. No CPAC Brasil, numa palestra sobre as lições que o húngaro poderia ensinar ao Brasil, Eduardo defendeu o projeto de Orbán de comprar veículos de imprensa para calar a oposição. Já em maio de 2023, Eduardo esteve no CPAC Hungria junto do premiê.
Bukele, presidente de El Salvador, parece ser o mais novo ídolo da ultradireita internacional. Reeleito neste mês, ele colocou em prática uma política de aprisionamento em massa da população, passando por cima de direitos civis, e derrubou a taxa de violência no país.
No Brasil, um dos grupos que mais tem elogiado as ações de Bukele é o Movimento Brasil Livre (MBL), que sobrevive na direita radical desgarrado do bolsonarismo. O grupo enviou representantes para acompanhar as eleições do país caribenho e pôs no ar um site sobre o líder.
O sucesso de Bukele tem levado bolsonaristas a compararem o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao salvadorenho por conta da operação da Polícia Militar que deixou mais de 40 mortos na Baixada Santista — e foi defendida publicamente pelo mandatário na última semana.
— Estamos observando a expansão e consolidação do ecossistema transnacional da extrema-direita. Estes políticos e suas bases encontraram um “mínimo identitário comum” que permite a todo ecossistema atuar em ações locais como foi a manifestação de 25 de fevereiro, assim como em processos eleitorais no Brasil, Argentina e agora em Portugal — diz a pesquisadora Fernanda Sarkis, mestre em comunicação política que sobre o intercâmbio entre o bolsonarismo e a ultradireita internacional.
Para o sociólogo Marcus Nogueira, parceiro de Fernanda na pesquisa, o desenvolvimento desse ecossistema se deve à articulação e circulação de lideranças dessa rede "a partir de um padrão coordenado de ocupação de espaço comunicacional":
— Assim como à coesão em torno de uma história emocionalmente envolvente que tem mobilizado e engajado milhões de pessoas pelo mundo. O segredo deles está na história — afirma.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários