A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que revisar a meta fiscal para 2025 "está na mesa"; é a primeira vez que um membro da equipe econômica admite essa possibilidade
O objetivo de deixar as contas no azul faz parte do novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda no ano passado. A regra prevê uma melhora gradual nas contas públicas. O primeiro passo seria zerar o déficit este ano, gerar superávit de 0,5% do PIB em 2025 e chegar a 2026 com saldo positivo de 1% do PIB.
Em relação ao alvo fixado para este ano, a ministra afirmou apenas que a meta é reavaliada mês a mês.
Embora o arcabouço defina os resultados que devem ser alcançados daqui até o fim do atual mandato, a meta de superávit para 2025 precisa ser confirmada pelo governo no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O projeto referente a 2025 será encaminhado ao Congresso no dia 15 deste mês.
— Os números (da LDO) não fecharam. Sem esses números da receita, não tenho condições de falar de meta. O que posso adiantar é que está na mesa a rediscussão da meta de 2025. Eu acho que a busca de receitas está se exaurindo. Ninguém quer aumentar a carga tributária, isso está fora de cogitação. Vou mostrar pelo lado da revisão de gastos o que eu consigo apresentar. Eu vou fazer todo o possível para manter a meta, mas tenho que ver os números reais. É a viabilidade dentro de um país que ainda depende muito de políticas públicas — disse Tebet, após evento sobre o Plano Plurianual 2024-2027.
No governo, o debate sobre manutenção da meta é associado à credibilidade do arcabouço. No ano passado, o presidente Lula chegou a falar publicamente na hipótese de alterar a meta deste ano, mas acabou convencido pela ala econômica de que seria possível conciliar os objetivos políticos em ano de eleições municipais com a busca pelo equilíbrio das contas públicas tal qual o planejado na regra fiscal. Mas há tempos os alvos fixados no arcabouço são vistos com ceticismo por analistas de mercado e economistas, que criticam a possibilidade de um ajuste apenas pela ótica de aumento das receitas.
A possibilidade de revisão da meta de superávit em 2025 já estava em discussão nos bastidores do governo, que teme a necessidade de um contingenciamento (bloqueio) elevado de recursos para atingir o resultado no próximo ano.
A fala de Tebet ocorreu horas depois de Haddad pedir um pacto entre os Três Poderes para manter os objetivos da política econômica (leia mais na página 14). Auxiliares do ministro da Fazenda ressaltam que há uma diferença entre a meta da lei e o resultado das contas públicas em si. A análise é que o resultado depende não só do Executivo, mas também de outros Poderes, como a aprovação de leis e decisões judiciais.
Tebet disse que, “como liberal”, gostaria de manter o superávit de 0,5% do PIB em 2025:
— Eu, liberal que sou, queria manter 0,5% (do PIB) positivo. Mas não tenho o lado da receita para dizer o quanto consigo manter de 0,5% ou não.
Defesa de corte de gastos
Para Tebet, será inevitável cortar gastos para alcançar o resultado esperado:
— A LDO vai mostrar que não tem outro caminho a não ser esse (da revisão dos gastos públicos). Está se exaurindo o aumento do Orçamento brasileiro pela ótica da receita, passar disso significa aumentar imposto. Até agora nós recuperamos receitas públicas sem aumentar impostos e cobrando imposto daqueles que nunca pagaram. Precisamos colocar para rodar a esteira sobre a ótica da despesa.
Sobre a meta de zerar o déficit em 2024, Tebet disse que a avaliação é feita mês a mês.
— A meta deste ano, A-B (receitas menos despesas), tem que dar zero. É mês a mês para reavaliar. Lá para maio vamos ter a visão real do que vai acontecer em 2024, antes disso não. Estamos falando de LDO, LDO é para frente, é 2025, 2026, 2027.
A ministra do Planejamento, porém, se mantém otimista em relação à possibilidade de enviar um projeto de lei para pedir crédito suplementar ao Congresso Nacional neste ano, ou seja, aumentar as despesas.
O arcabouço fiscal permite que a licença para gastar seja solicitada, no caso de o governo se manter dentro da faixa de tolerância da meta fiscal. Para 2024, o máximo que o país pode alcançar é um déficit de R$ 28 bilhões, o equivalente a 0,25% do PIB. O último relatório bimestral de receitas e despesas apontou para um déficit de R$ 9,3 bilhões neste ano, o que permitiria um espaço de sobra para gastar. Para aumentar o gasto também é preciso aumentar a receita neste ano.
— Se as receitas comparecerem, eu posso mandar um PL (projeto de lei) que pode chegar a R$ 15 bilhões, não pode passar disso. Se as receitas comparecerem, vamos enviar o PL, se ele vai ser de R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões, vai depender das receitas.
Considerando que o país consiga cumprir as metas previstas no arcabouço, 0,5% do PIB seria equivalente a R$ 61 bilhões de superávit no próximo ano considerando a projeção nominal do governo para o PIB do ano que vem. Para 2026, o superávit chegaria a R$ 132 bilhões.
‘Mercado já sabia’, diz Vale
Para o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, a posição da ministra do Planejamento reconhece, de forma “correta”, que “está chegando a hora da verdade para o governo”. Nos cálculos de Vale, as contas públicas devem fechar este ano longe do equilíbrio, com rombo de 0,5% a 0,8% do PIB.
— É tudo que o mercado já sabia, das dificuldades que haveria pela frente para conseguir fechar o Orçamento este ano e nos próximos — afirmou o economista. — Não temos mais a capacidade de arrecadar na intensidade que arrecadamos do ano passado para cá. Não vamos ter receitas atípicas em 2025. Isso vai ser um problema crescente para o governo e o tempo está correndo. A ministra está correta em já colocar isso na LDO de 2025, porque vai ter que entrar em discussão o quanto antes.
Segundo a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o reconhecimento de que as medidas de aumento de arrecadação tributária estão chegando ao limite já era esperado. Na verdade, a IFI já tinha uma visão mais pessimista do que a do governo, com projeção de déficit de 0,9% do PIB este ano.
Vilma ressaltou que será impossível equilibrar as contas do governo sem atacar também as despesas públicas:
— O novo arcabouço fiscal pode não se sustentar por muito tempo se nada for feito pelo lado dos gastos.
Colaborou Geralda Doca
Fonte: O GLOBO
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