Movimentos do bilionário se alinham com discursos golpistas da extrema-direita e alimentam ataques ao Judiciário, escreve Kakay
Porto Velho, RO. “Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
–Carlos Drummond de Andrade, no poema “Os ombros suportam o mundo”
Parece evidente que nenhuma manifestação de empresário –ainda que
bilionário e, pretensamente, o 2º mais rico do mundo– mobilizaria os
Poderes da República para defender a soberania nacional. A guerra eterna
por ganhar mais dinheiro já é por demais conhecida para merecer
respostas tão incisivas e duras.
Ressaltando que concordei com a
reação aos abusos verbais e operacionais deste Elon Musk. Permito-me
considerar que tais respostas não foram simplesmente a ele, mas ao
movimento de ultradireita mundial que ele representa.
Ele nada
mais é, na feliz definição do jornalista Tales Faria, do que um homem de
mídia que monetizou a mentira. A direita extremada tem,
despudoradamente, a mentira como estratégia. Sem nenhum limite ético, a
união entre a política e os negócios da mídia é um risco permanente à
democracia.
Bolsonaro é um exemplo dessa postura. Soube fazer da
política um negócio e da mentira o carro chefe da sua administração.
Sem pudor, conseguiu transitar em todas as áreas com os olhos postos,
principalmente, naquilo que mantinha seu capital político. Mesmo que,
para isso, precisasse estuprar a verdade.
Com um bando de
seguidores acríticos e outros tantos acéfalos, seguiu a cartilha da
extrema-direita, que tem um projeto de dominação mundial. Foi essa
estratégia que sedimentou as bases para alimentar o golpe.
Não
fosse ele um militar completamente despreparado e sem prestígio na
cúpula das Forças Armadas, hoje, estaríamos envoltos no véu escuro de
uma ditadura sórdida e cruel. O que nos deu fôlego foi a mediocridade
patente do ex-presidente. E, claro, as teias do destino, que fizeram com
que Trump
não fosse o presidente dos EUA. Fosse ele o presidente norte-americano,
nós teríamos muito mais dificuldades em manter o Estado Democrático de
Direito.
Tenho escrito e debatido, nos mais diversos foros, que
foi –e ainda é– o Judiciário que manteve a institucionalidade. Naquele
momento triste do Brasil, com um governo corrupto e fascista e um
Legislativo cooptado na sua grande maioria, a atitude do Supremo
Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral impediu que as hostes
golpistas triunfassem.
E nessa resistência histórica, por
motivos diversos, a figura do ministro Alexandre de Moraes assumiu
necessária proeminência, sempre com o apoio incondicional de seus pares.
A história fará justiça a esses ministros que, mesmo fazendo parte de
um Judiciário patrimonialista, conservador, racista e misógino, souberam
honrar a toga para preservar a Constituição e a democracia.
Por
isso, afirmo que os movimentos do Elon Musk estão muito além da gana
por dinheiro. Claro que toda a celeuma trouxe à baila questões
fundamentais, como a necessidade de regulamentação das redes sociais. O
ministro Jorge Messias, da AGU, foi muito enfático ao afirmar:
“É
urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma
sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle
das redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de
Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades”.
É,
entretanto, fundamental notar qual foi o alvo preferencial da sua
investida: o Poder Judiciário, especialmente o ministro Alexandre de
Moraes. O bilionário golpista tem a ousadia de postar que ele “colocou o
dedo na balança para eleger Lula”.
Importante registrar que
esse discurso dá margem a uma interpretação rasteira, porém perigosa, na
qual a ultradireita ataca o STF e quer emplacar a pecha de “ditadura do
Judiciário”. Mesmo democratas compram esse embuste e a grande mídia,
muitas vezes, enriquece o imaginário vulgar, mas perigoso. É a
preparação de uma resposta para quando começarem as condenações dos
militares e políticos no processo do 8 de Janeiro.
“Creo que nos quedamos ciegos, creo que estamos ciegos, ciegos que ven, ciegos que, vivendo, no ven.” –José Saramago
É
uma estratégia de poder que tem o apoio dos bolsonaristas aqui no
Brasil e de parte do movimento ultradireitista que assusta o mundo. Por
isso, agiu bem o Supremo Tribunal ao dar uma resposta institucional aos
ataques.
É preciso manter a atenção, pois eles irão recrudescer
com a capilaridade fascista que hoje representam. Mais uma vez,
estaremos travando o jogo da barbárie contra a civilização. Como
trabalhamos com ética e dentro do respeito às leis e à Constituição e
eles não têm critério, penso que algumas ordens de prisão preventiva,
devidamente fundamentadas, iriam ajudar a pavimentar a normalidade
democrática.
Sempre defendi que a construção da liberdade deve
ser a ultima ratio; todavia, caso nunca venha, pode perder a hora. É
como rotineiramente digo: é tarde, mas ainda é tempo.
Sem me esquecer de Pessoa, na pessoa de Bernardo Soares, no “Livro do Desassossego”, fragmento 10:
“Tudo em mim é um desassossego sempre crescente e igual”.
Artigo publicado inicialmente no Poder360.
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