Empresa de refeições corporativas conquista investimento estrangeiro e aposta em tecnologia para crescer e ganhar escala, ao mesmo tempo em que busca reduzir o desperdício de alimentos

No restaurante do futuro, um painel controlado por inteligência artificial (IA) vai identificar cada cliente e explicar que, naquele dia, há entre as opções do cardápio o bife, a beterraba e o quiabo feitos do jeito que ele prefere.

Na cozinha, um forno, também com recursos de IA embarcados, pode assar a carne no ponto desejado pelo cliente ou detectar o alimento que está em seu interior e sugerir a melhor forma de preparo.

Essa realidade já começa a se desenhar, e a Sapore, uma companhia brasileira de refeições corporativas, que atende 1,3 mil empresas (de siderúrgicas a montadoras, incluindo hospitais e escolas) já começa a dar os primeiros passos na cozinha do futuro.

— Nossa pretensão é chegar com IA no atendimento personalizado ao cliente. Imagine você chegar no restaurante e tem um painel que informa a procedência daquela carne, quem é fornecedor — prevê Daniel Mendez, CEO e fundador da Sapore, que começou a trabalhar como garçom.

Mas, mesmo com tanta tecnologia a serviço da alimentação, ele ainda tem uma preocupação básica: reduzir o desperdício de comida, seja no processo de preparação dos alimentos, mas também pelo lado do consumidor.

Como tem sido o crescimento da empresa, e para onde a Sapore quer se expandir?

Saímos de uma receita de R$ 2,5 bilhões em 2022 para R$ 3 bilhões no ano passado. Crescer 10% em uma empresa que fatura R$ 300 milhões é uma coisa. Em uma empresa que fatura R$ 2,5 bilhões, significa muito mais.

Esses números robustos despertaram a atenção de investidores estrangeiros...

Há dois anos chegou o fundo americano de private equity Acon, que tem 20% de participação. Ele veio com a determinação clara de trazer mais governança, profissionalizar ainda mais a companhia e preparar a Sapore para um IPO (abertura de capital na Bolsa). Precisávamos trazer mais “massa cinzenta” para evoluir em todos os campos.

A Sapore tem interesse em comprar empresas do setor?

Uma área especializada em fusões e aquisições foi criada. Começamos a olhar o mercado para comprar empresas tanto do nosso segmento, de alimentação, como de outros setores. Hoje atendemos também hospitais, escolas e fazemos operações remotas, como hidrelétricas, portos, mina de bauxita. Alimentação atualmente é 70% do negócio.

Temos uma área de eventos, onde fazemos parceria com o chef Alex Atalla. Fizemos a Copa do Mundo do Brasil, a Olimpíada do Rio, The Town, Lollapalooza. A Olimpíada foi o evento mais complexo que o Brasil já teve, e isso nos deu musculatura.

Mas a Sapore também passou a oferecer serviços, um novo pilar de negócios, não?

Não começamos agora, e a participação dos serviços na receita já chega a R$ 500 milhões, 15% do total. Além das refeições, oferecemos serviços de limpeza, portaria, conservadoria, ar-condicionado, jardinagem, hidráulica, elétrica, construção civil.

Tem planos de internacionalizar a empresa?

Já atuamos na Colômbia e estamos crescendo lá. Saímos do México porque a operação não combinava com nosso princípios. Estamos consolidando novas áreas no Brasil, especialmente a de serviços, e há muito caminho a percorrer, mas não fechamos a porta para a internacionalização. Temos alianças com empresas internacionais e podemos, por exemplo, fazer uma proposta corporativa global.

Há planos de abrir restaurantes fora de empresas?

Somos grandes, e é difícil começar só com um restaurante. Não está nos nossos planos fazer isso nos próximos 12 a 24 meses. Mas temos propostas para abrir uma rede de restaurantes.

Há busca por alimentação mais saudável nas empresas, escolas, hospitais?

Sim, percebo isso em todos os clientes. E a cada ano temos mais preocupação com nossos fornecedores. Nas refeições das escolas, por exemplo, não usamos açúcar refinado e sal para que as crianças se acostumem com o sabor dos alimentos, e os resultados são positivos.

Fazemos um trabalho explicando a receita e em algumas escolas temos hortas. Também não existe fritura e produtos hiperindustrializados. Só usamos leite de amêndoas.

Como a Sapore usa a tecnologia para melhorar a operação?

Sempre estivemos atentos ao uso de tecnologia. Há 15 anos, criamos a Inteligência Operacional Sapore (IOS), um sistema de gestão operacional que tem como tripé: pessoas, processos e tecnologia. Ele engloba tudo o que é relacionado à inovação, permitindo aprimorar a cozinha inteligente, com equipamentos de alta tecnologia e qualidade para redução no consumo de energia, óleo e tempo de cozimento.

Já usam inteligência artificial?

Com um fornecedor, por exemplo, estamos desenvolvendo um balcão que conserva o alimento crocante e de boa aparência por 12 horas. Estamos trazendo para o Brasil o primeiro forno totalmente controlado por inteligência artificial. Já temos uma central que ajuda na questão administrativa, uma espécie de Alexa, com uso de IA.

O gerente liga e ela responde sobre como admitir, demitir, dar férias, uso de equipamento de proteção, transporte, exames médicos. Isso vai acostumando a empresa a trabalhar com essa tecnologia.

E quais são os próximos passos para chegar ao “restaurante do futuro”?

Nossa pretensão é chegar com IA no atendimento ao cliente. Imagine você chegar no restaurante e ter um painel que informa a procedência daquela carne, quem é fornecedor. Como atendemos grandes volumes, é difícil fazer um trabalho personalizado. Nosso sonho é evoluir e interagir com as pessoas. A IA vai permitir isso no restaurante industrial. Vai identificar o usuário e informar que no cardápio há o arroz, a beterraba, o bife e o jiló de que ele gosta.

Como é possível ser sustentável no seu negócio?

Avançamos em várias frentes. Primeiro, com cuidados para ter alimentos mais saudáveis. Temos como meta entre este ano e o próximo zerar o uso de copos plásticos nos nossos restaurantes.

Antes, usávamos caixas de madeira e papelão para transportar os produtos, que depois eram jogadas fora. Hoje, usamos caixas de plástico, reutilizáveis. Provocamos nossa cadeia de fornecedores, de logística e transporte, a buscar serviços de maior qualidade, sustentáveis.

É um conjunto de coisas. Por exemplo, antigamente tínhamos açougueiros, confeiteiros, padeiros em nossas unidades.

E o que isso ocasionava?

Um desperdício enorme. Hoje, em vez de comprar a peça inteira do frigorífico, o bife já chega cortado do fornecedor, na espessura que a gente quer. A massa do pão já chega pronta, e eu asso na unidade.

Quase quebrei a empresa em 2008 para desenvolver esse processo com os fornecedores. Hoje, entregamos um produto padronizado ao cliente, e isso reduz o desperdício, que é um problema importantíssimo no nosso negócio. Mas é também um problema do país.

Pelo lado do consumidor também há desperdício, não?

É todo um sistema de desperdício, desde que se colhe a planta até chegar ao consumidor. Mas a pandemia deixou um legado. Houve pouco desperdício porque as porções eram individuais. Antes, havia restaurantes a quilo com muitas opções.

Hoje estamos sendo mais seletivos. Se há variedade no restaurante, fazemos pequenas porções, mas com reposição rápida, por exemplo. Fazendo o bife na hora para o cliente (bem passado, mal passado, ao ponto), ele fica mais personalizado e isso também evita desperdício.

Quando a Sapore atendia mil restaurantes, pelo menos 80 mil refeições eram jogadas fora por dia. Hoje, com mais restaurantes, são 24 mil desperdiçadas num universo de 1,3 milhão de refeições servidas diariamente. Reduziu, mas ainda é triste ver desperdício mesmo com uso de tecnologia.

Como define o ambiente de negócios do país para seu setor?

Se eu começar a reclamar, tem um monte de coisas: a tributação é absurda, a questão de compliance é muito forte. Por exemplo, não podemos comprar de alguns fornecedores, dependendo da forma de higienização ou manipulação dos alimentos.

O segmento é instável. Se chove muito, não tem salada. Se há seca, também. Então o que fizemos foi focar onde podemos melhorar, onde é possível fazer diferença, seja reduzindo o desperdício, ou usando tecnologia.


Fonte: O GLOBO