Quando a Otan fez 70 anos, em 2019, seus integrantes, como de costume, não pareciam falar a mesma língua e revelavam fraturas da aliança militar ocidental.
Porto Velho, RO. Nesta quinta, o Kremlin marcou o aniversário do bloco rival com críticas e a renovada ameaça de confronto, potencialmente nuclear e apocalíptico dado o pacto de defesa mútua que envolveria as duas maiores potências atômicas do planeta.
O vaticínio de que o grupo estava em "morte cerebral", como disse Emmanuel Macron naquele ano, era rejeitado pela primeira-ministra alemã Angela Merkel; o ambíguo líder turco, Recep Tayyip Erdogan, entrava em rota de colisão com a aliança por ações na Síria e desejos atômicos; e do outro lado do Atlântico havia Donald Trump, então presidente da potência que coordena a Otan -e crítico da organização.
É novamente o americano que lança uma sombra nos 75 anos da Otan, completados nesta quinta-feira (4), com declarações recentes de que, se eleito novamente à Casa Branca em novembro, não protegeria de uma eventual invasão aliados que não cumprissem metas de gastos de defesa estabelecidas pela organização -o Artigo 5 da aliança prevê defesa mútua dos integrantes em caso de ataque.
O risco de fratura, no entanto, pega a Otan em momento diferente de cinco anos atrás, agora renovada pelo mesmo inimigo existencial que motivou sua criação em 1949: o expansionismo russo (soviético na ocasião). Naquele fim de década, os vencedores da Segunda Guerra Mundial vislumbravam suas grandes diferenças ideológicas e o início da Guerra Fria.
Hoje, o resultado até aqui da guerra territorial lançada pelo presidente russo, Vladimir Putin, contra a Ucrânia em fevereiro de 2022 tem sido o oposto do que ele almejava em relação ao Ocidente: a Otan cresceu, renovou seus votos de união e mascara desavenças internas com financiamento a Kiev, um não membro.
Evitar a possível adesão ao grupo do país liderado por Volodimir Zelenski foi ponto central das justificativas do Kremlin para lançar o que, inicialmente, chamou de "operação militar especial" mas hoje já nomeia como guerra no resto do mundo.
Nesta quinta, o Kremlin marcou o aniversário do bloco rival com críticas e a renovada ameaça de confronto, potencialmente nuclear e apocalíptico dado o pacto de defesa mútua que envolveria as duas maiores potências atômicas do planeta.
"[A Otan] já está envolvida no conflito acerca da Ucrânia e continua a expandir sua infraestrutura militar e se mover em direção às nossas fronteiras. Na verdade, as relações [entre Rússia e o bloco] agora entraram no nível de confronto direto", disse a repórteres o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Até janeiro deste ano, a ajuda nominal militar à Ucrânia alcançou R$ 225,7 bilhões só dos EUA, mais R$ 94,7 bilhões da Alemanha e R$ 48,7 bilhões do Reino Unido, os principais fornecedores. Financeiramente, a União Europeia contribuiu com R$ 413 bilhões.
Mesmo países menores têm ajudado com proporção relevante de sua produção. Estônia contribuiu com 3,6% de seu PIB, Dinamarca com 2,4% do seu, e Lituânia, 1,5%.
Isso sem contar a ampliação dos gastos internos de defesa em cada país da aliança. Em conta feita pelo think tank britânico IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em inglês), a Otan teve aumento de 8,5% em seus gastos militares, excluindo os EUA, embora com diferenças internas. A belicista Polônia prometeu gastar 4% de seu PIB com defesa, enquanto a Alemanha não tem cumprido a meta da aliança de 2%.
É esse descumprimento da meta que é usado por Trump em suas declarações relativas à Otan. Aparentemente relembrando uma reunião com líderes da aliança, o republicano mencionou o presidente de "um grande país", sem especificar qual, que o teria questionado sobre o apoio de Washington em caso de uma agressão russa. "Se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, você nos protegerá?", teria perguntado o líder, segundo Trump disse em fevereiro.
"Eu disse: 'Vocês não pagaram? Vocês estão inadimplentes?' Ele disse: 'Sim, digamos que isso aconteceu.' Não, eu não os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria [os russos] a fazer o que diabos eles quisessem. Vocês têm de pagar", afirmou o ex-presidente dos EUA e atualmente candidato a voltar ao cargo.
Nesta quarta-feira (3), o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, propôs a criação de um fundo de € 100 bilhões (R$ 543 bilhões) para ajuda militar de longo prazo a Ucrânia, medida que ele não esconde se tratar de uma mudança no controle da organização sobre o auxílio a Kiev, de certo de olho em possível mudança no comando da Casa Branca.
"Precisamos mudar a dinâmica de nosso apoio. Devemos garantir assistência securitária confiável e previsível à Ucrânia a longo prazo, menos ofertas de curto prazo e mais compromissos de vários anos", disse Stoltenberg. Ele disse esperar que uma decisão sobre o fundo seja tomada na cúpula de líderes do bloco em julho.
Apesar da expectativa com a eleição americana e de divergências entre os integrantes, o saldo até o momento para a Otan tem sido de fortalecimento em meio à mobilização pela ajuda a Kiev.
Foi justamente o receio de que Putin não pare na Ucrânia que fez a Finlândia aderir em abril de 2023, tornando-se o 31º membro do grupo e efetivamente dobrando a fronteira da Rússia com a aliança; em março deste ano, foi a vez de a Suécia abrir mão de sua longeva política de neutralidade e se tornar o 32º integrante -depois de forte resistência turca.
É fundamento do argumento do russo contra o Ocidente em geral o expansionismo não de Moscou, mas da própria Otan em direção às suas fronteiras a partir do fim da década de 1990. Em 1999, Polônia, Hungria e República Tcheca, países na esfera de influência da falecida União Soviética, entraram na aliança.
Em 2004, ingressaram os três Estados Bálticos. Em 2007, a proximidade da Geórgia com a aliança terminou com uma vitória esmagadora de Moscou em um conflito de cinco dias contra Tbilisi. Em 2014, a primeira intervenção na Ucrânia, após a derrubada de um presidente pró-Rússia: anexação da península da Crimeia e apoio a separatistas no leste ucraniano.
Fonte: FOLHAPRESS
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