Em depoimento em primeira pessoa, João Fantazzini, responsável por pet morto durante transporte aéreo, conta que vai lutar 'para que nenhum outro cachorro passe por isso'

Porto Velho, Rondônia - "Na hora, acho que vi tudo em câmera lenta. Foi um choque. Sabe quando parece que alguém te dá um soco no peito e você vai pra trás, meio que perdendo os sentidos? Foi exatamente isso que eu senti. Eu perguntava pra menina da Gol se não tinham veterinário pra atestar que o Joca estava bem. Ela virava e falava que não tinha.

Sempre foi meu sonho ter um golden (retriever), e decidi realizar. Pesquisei muito. Eu sempre morei sozinho. Quis ele porque sabia o quão amoroso um cão dessa raça é. Não que os outros não sejam, né? Mas eu tinha na minha cabeça que ele sempre seria um parceiro muito grande.

Encontrei o Joca em Ibiúna (SP). Escolhi e trouxe para minha casa, um ano antes da pandemia. Esse foi o início de tudo. Eu lembro que na época eu estava tão feliz que fiz até uma bolsa de saída de maternidade, com todas as coisas que ele precisava para poder vir pra casa comigo. Ele tinha apenas três meses.

O Joca era meu filho. Eu fazia tudo com ele. Todos os lugares que eu ia, eu adaptava pra ele. O Joca era a minha vida. A gente teve uma conexão muito grande. Como eu era sozinho, era sempre nós dois juntos. Para onde eu ia, buscava lugares que aceitavam cachorro. Caso contrário, não ia. Então ele virou um companheiro muito grande pra mim.

Quando eu era criança, tive um vira-latinha e fiquei muito mal quando ele morreu. Porém, não era a mesma coisa que o Joca foi comigo. Independentemente de ser um golden ou não, minha conexão com o Joca foi de filho mesmo. A gente se entendia. Era impressionante. Descobri isso quando começou a pandemia. Ele me salvou da depressão.

Entendia até o jeito que eu sentava, ficava me olhando. Eu chorava muito na época, porque, como eu disse, eu morava sozinho. Para você ter uma ideia, ele pegava o chinelo dele pra ficar me mostrando, na tentativa de me animar. Quando eu estava no meu sofá chorando, ele saía da sacada, sentava do meu lado e deitava. Olha que ele não aguentava, porque é muito quente para ele, e mesmo assim ficava ali, daquele jeito.

Eu era uma pessoa que tinha o mundo em volta de mim. Todo mundo me conhecia, sabia quem eu era. Na pandemia, todo mundo se afastou, claro, automaticamente. Quando comecei a ter um problema financeiro, de perder algumas coisas, ele estava ali. Ele me salvou de tudo. Literalmente tudo que eu fazia era por ele. Sempre falava para o Joca do medo que tinha de perdê-lo, porque eu não sabia o que ia fazer sem sua presença. E é por isso que eu cuidava tanto dele. Para durar muitos anos comigo. Mas ele não durou. Eu tento achar um propósito do porquê ele veio pra cá. Não imaginei a proporção que isso tomaria. Nunca, jamais na minha vida. Acho que até agora eu não consegui que a minha ficha caísse.

Eu acho feio falar isso, mas eles literalmente mataram o Joca. Não tiveram cuidado nenhum. Nenhuma companhia aérea tem uma regularização firmada do que eles devem ou não fazer. A Anac deixa livre para cada uma decidir. A maior dor da minha vida foi saber que ele morreu sozinho. Porque eu não estava ali para ajudar, que era a promessa que eu sempre fiz. Eu não pude cumprir. Peguei ele morto, e ele estava me esperando. A minha dor é muito grande por isso. Sempre falei pra ele que eu nunca iria abandoná-lo, e eu não estava lá.

Eu decidi ir morar em Sorriso (MT), e a minha primeira exigência, quando decidi fechar o contrato, foi que o Joca fosse comigo. Eu não iria sem ele. O CEO da empresa, que me convidou para ir para lá, organizou tudo para mim. A gente escolheu a melhor casa, com jardim e tudo para ele. A casa foi escolhida para o Joca. Às vezes, eu sinto que o meu desejo de sempre ter mais e mais matou ele.

Eu acho que nunca mais vou sentir a dor que eu estou sentindo agora, por saber que nunca mais vou ter o Joca. Estou à base de remédio. Estou tomando calmante a cada três horas, porque vem tudo à tona na minha cabeça, principalmente o momento em que descobri que ele morreu. A única coisa que estou conseguindo fazer agora é dar apoio para mim mesmo.

Eu velei o Joca. Meus familiares foram até lá. O irmãozinho dele foi também, porque eu era casado e o meu ex o levou para o local. Uma das melhores coisas que aconteceu pra mim foi ver os dois lá. O Lucas participou disso comigo, de uma parte da minha vida com meu filho. Quando decidi tê-lo, nós estávamos juntos. Eu pedi muito a Deus para que ele coma todas as maçãs, rúculas e beterrabas que tanto amava comer.

A única coisa que eu sei agora, o que quero fazer, é lutar por ele. Lutar para que nenhum outro cachorro passe por isso. Eu não deixaria mais nenhum cachorro passar pela Gol, porque eles não têm cuidado nem com os passageiros. Então como eles vão ter com o filho deles, que é um pet?

Uma vez, a minha psicóloga falou pra mim que se você pegar a sua mãe, uma irmã e o seu melhor amigo e trancar dentro de um porta-malas, deixar lá por horas, e você pegar o Joca, ou qualquer cachorro, e colocar em outro porta-malas por horas, quando você abrir o da sua família, eles vão sair, brigar com você, colocar o dedo na sua cara, te xingar de tudo quanto é nome pelo fato de você ter guardado eles ali. Se você fizer isso com seu cachorro, na hora que abrir, ele vai te agradecer porque você tirou ele de lá. Então os cachorros têm muito para ensinar para a gente, e o Joca me ensinou muito mais do que qualquer coisa ou pessoa na minha vida."

(estagiário sob supervisão de Luã Marinatto)


Fonte: O GLOBO