Juristas ouvidos pelo GLOBO avaliam consequências de sentença de ministro do STF
Porto Velho, Rondônia - O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou na terça-feira todos os atos praticados pela 13ª Vara Federal de Curitiba contra Marcelo Bahia Odebrecht durante a Operação Lava-Jato, quando o ex-juiz Sérgio Moro estava à frente do caso. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, essa decisão pode abrir caminho para a anulação de provas e absolvição de outros empreiteiros.
De acordo com Flávio de Leão Bastos Pereira, doutor em Direito e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão de hoje é mais um precedente que pode favorecer condenados. Toffoli fundamentou sua decisão a partir da conclusão de abusos do Ministério Público e da Justiça.
O "conluio", nas palavras do ministro, ficou evidenciado pelas provas colhidas na Operação Spoofing, quando mensagens entre procuradores e Moro foram analisadas.
— A decisão de hoje já é consequência de decisões anteriores e de precedentes. Essa decisão do ministro Toffoli é já uma consequência, mais um elo nessa cadeia de anulações de decisões da Lava-Jato. Porque há o entendimento de que todos os processos da Lava-Jato, desse período, padecem desses vícios insuperáveis e gravíssimos do ponto de vista democrático, constitucional e jurídico. Então, imagino que outras defesas, de outros acusados e réus, possam vir também a se valer desse precedente — afirma.
De acordo com o professor de Direito Processual Penal da Faculdade da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Henrique Badaró, a decisão de Toffoli também pode levar outros empresários condenados a recorrerem de suas penas no STF. O especialista afirma, porém, que haverá necessidade de se avaliar caso a caso.
— Teria que verificar, em relação a cada acusado, dentro do conteúdo da Operação Spoofing, se (Moro) tinha uma intenção prévia de prejudicá-los ou não. Não basta os empresários de outras construtoras dizerem ‘anule o meu também’. Teria que mostrar que, pelos conteúdos das conversas, teria uma intenção deliberada do Moro de condenar essas pessoas — afirma.
Segundo Badaró, a decisão de Toffoli fixa uma premissa que pode valer para outros condenados.
— É a de que se, pelo conteúdo das conversas, ficar provado que houve um acordo entre o Ministério Público e o juiz para condenar essa pessoa, ela não foi julgada por um juiz imparcial e terá direito de anular suas condenações. Mas aí vai ter que ser analisado caso a caso, para cada um deles — acrescenta.
O jurista e professor da Unisinos, Lenio Luiz Streck, vai na mesma linha do colega e concorda que a decisão de hoje estimula outras defesas a recorrerem ao STF.
— Isso é o que a gente chama de efeitos colaterais do fruto de uma árvore envenenada. O Toffoli anulou essas provas, como já tinha feito em outros casos. Isso tem ramificações. Tudo o que diz respeito à participação do Ministério Público, da forma como foi feito, são nulas. E, claro, isso vai ter desdobramentos. E esses desdobramentos são inevitáveis — diz.
Em sua decisão, Toffoli considerou que integrantes da Lava-Jato, atuando em conluio, ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos — pessoais e políticos —, o que não se pode admitir, segundo o ministro, em um Estado Democrático de Direito.
O ministro determinou ainda o trancamento de todos os procedimentos penais instaurados contra o empresário, herdeiro da Odebrecht e atual Novonor.
“Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, bem como sobre as empresas que ele presidia, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, afirmou Toffoli.
Segundo o ministro, a prisão de Marcelo Odebrecht, a ameaça dirigida a seus familiares, a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade e a pressão retratada por seu advogado "estão fartamente demonstradas nos diálogos obtidos por meio da Operação Spoofing", o que atesta que magistrado e procuradores de Curitiba desrespeitaram o devido processo legal, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência.
Fonte: O GLOBO
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