Avaliação técnica, que precisa ser referendada por conselheiros, abre caminho para a empresa retomar investimentos na produção de combustíveis, apontam analistas
Para fazer o encaminhamento da questão aos conselheiros do Cade, a SG concordou com o argumento da Petrobras de que o pedido de revisão do compromisso tem como base o insucesso da empresa nas tentativas de vendas de refinarias.
A Petrobras conseguiu se desfazer da Unidade de Industrialização de Xisto (SIX), localizada em São Mateus do Sul (PR), e de refinarias em Manaus (Reman) e na Bahia (Rlam). Mas a venda das refinarias do Paraná (Repar), Rio Grande do Sul (Refap), São Paulo (Regap), Abreu e Lima (Rnest) e Ceará (Lubnor) não avançou.
"Esta SG recomenda o deferimento do pedido de readequação dos compromissos e a celebração de novo termo aditivo ao TCC", diz o parecer técnico.
O documento citou ainda o redirecionamento no plano estratégico da empresa entre 2024 e 2028, ou seja, do governo Lula, que agora quer retomar a construção e ampliação de refinarias para aumentar a produção nacional de combustíveis.
O atual governo também quer da estatal mais investimentos em gás e produção de fertilizantes. Esse foi um dos motivos da queda de Jean Paul Prates e a sua substituição por Magda Chambriard.
A decisão da unidade técnica do Cade, que ainda terá de ser referendado pelo colegiado de conselheiros do órgão responsável pela defesa da concorrência no país, foi criticada por especialistas e executivos do setor que combatem a posição monopolista da Petrobras no segmento de combustíveis.
Um deles, que pediu para não ser identificado, avalia que a recomendação aponta para a manutenção do quadro de monopólio, dando na prática o sinal verde para que a estatal amplie os investimentos no setor, servindo como justificativa para a construção de novas unidades, aniquilando qualquer chance de competição no setor.
‘Houve descumprimento sim’
Sérgio Araujo, presidente executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), diz que a decisão de não avançar com o projeto de desinvestimento nas refinarias já era esperada pelo mercado. Em 2019, a associação fez uma representação no Cade contra o poder desequilibrado da estatal na formação dos preços dos combustíveis no país.
— Estranhei o posicionamento do Cade quando fala que não foi constatado descumprimento dos compromissos quando, na nossa visão, houve sim. A Petrobras não deu transparência nos seus preços e praticou consistentemente valores abaixo da paridade de importação, como foi constatado. Além disso, houve sucessivos atrasos nos cronogramas de venda das refinarias (de oito unidades, a estatal vendeu quatro, mas uma teve o processo suspenso). A previsão inicial do Cade era dezembro de 2021. Então houve descumprimento — disse Araujo.
Segundo dados da Abicom, os preços dos combustíveis seguem defasados há semanas. Ontem, por exemplo, a gasolina comercializada pela estatal estava 9% mais barata em relação aos preços internacionais, assim como o diesel, com preço 4% menor. Esse tipo de política prejudica a importação, embora o país não produza toda a gasolina e o diesel que consome.
‘Agente dominante’
A última queda de preço anunciada pela Petrobras nas refinarias ocorreu no ano passado, quando reduziu o preço da gasolina, em outubro, e do diesel, em dezembro.
Segundo Araujo, a Abicom vai aguardar o aditivo aos termos de compromisso de cessação (TCCs), que foram assinados em junho de 2019, para avaliar se entra ou não com nova representação no Cade.
— Esperamos que, sem a venda das refinarias e mantida a condição dominante da Petrobras, ela ao menos não atue com importação e prática de preço abaixo da paridade. A Petrobras é um agente dominante com quase 85% da capacidade de refino, praticando preços artificialmente baixos e inviabilizando a operação de empresas — disse Araujo.
Outra fonte do setor que pediu para não ser identificada criticou a recomendação da superintendência-geral do Cade, avaliando que é “uma péssima sinalização ao mercado”, mas frisou que a decisão final será do colegiado de conselheiros.
No ano passado, a Petrobras, sob gestão de Jean Paul Prates, anunciou uma nova política de preços, abandonando a paridade de preços. Em seu lugar, criou uma conta levando em consideração suas vantagem logística no país.
Além disso, passou a considerar ainda o preço dos concorrentes e dos clientes em cada região para compor o preço final. Na prática, a estatal trabalha com patamares mínimos e máximos de preços antes de fazer reajustes de forma a evitar a volatilidade aos consumidores.
‘Novas preocupações concorrenciais’
O documento da SG do Cade cita ainda que se termos do acordo tivessem sido integralmente executados metade da capacidade de refino nacional estaria nas mãos de empresas fora do sistema da Petrobras. Para a SG, a Petrobras deve atuar no refino de forma que não crie obstáculos para os demais agentes:
“Ademais, a existência dos novos agentes independentes que assumiram os ativos alienados da Petrobras faz surgir novas preocupações concorrenciais que decorrem diretamente da configuração de mercado resultante após os desinvestimentos que foram concluídos”, afirmam os técnicos do Cade.
A superintendência concluiu o parecer, mencionando que o Cade vem regularmente e pericialmente executando acompanhamento efetivo do cumprimento das obrigações pela Petrobras, no contexto do TCC e das obrigações do truste. Um dos principais objetivos do acordo era de estimular a concorrência e reduzir os preços para os consumidores.
Petrobras divulgou nota ao mercado
Na tarde de ontem, a Petrobras divulgou que havia formalizado ao Cade na semana passada proposta de revisar o acordo firmado nas gestões anteriores. No pedido, a autarquia fala em "fatores supervenientes ensejam a necessidade de revisão do termo de compromisso pactuado".
Na área de refino, a estatal alegou que o cenário mudou devido às transformações econômicas e geopolíticas no setor “e que determinam maiores investimentos em refinarias nacionais para incrementar a capacidade de abastecimento do mercado interno”.
A empresa argumenta, ainda, que a venda das refinarias poderia dificultar o processo de transição energética do atual governo. “A alienação de refinarias resultou em perdas de eficiências advindas da atuação integrada da Petrobras e a pulverização de seus ativos de refino é incompatível com os investimentos necessários à transição energética”, diz o comunicado da Petrobras aos investidores.
Petrobras sugere novo modelo
Para substituir a venda de refinarias, a Petrobras sugeriu ao Cade adotar um novo modelo de contrato com as refinarias independentes. O contrato fornece a garantia de oferta de um volume mínimo para a refinaria. Só haverá obrigação de compra e venda em caso de acordo quanto ao preço.
Além disso, a estatal se comprometeu a repassar mais dados ao órgão antitruste. Na visão da petroleira, a medida permitiria às contratantes buscar alternativas de fornecimento com a segurança de que a Petrobras fornecerá o produto caso necessário. O argumento foi corroborado pelo Cade.
A companhia também se dispôs a apresentar relatórios sobre sua nova estratégia comercial para a oferta de derivados, como gasolina e diesel.
"Tais relatórios serão atualizados e disponibilizados no Data Room a cada 30 dias, permitindo ao Cade analisar, com elevado grau de transparência e detalhamento, as decisões de precificação efetivamente adotadas no curto prazo, munindo-o com informações suficientes para verificar a conformidade das práticas comerciais adotadas pela Petrobras à Lei de Defesa da Concorrência", afirma a Petrobras.
Fonte: O GLOBO
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