Militares de alta patente, aliados ao presidente, se comprometeram em avalizar resultado apresentado pelo CNE, em meio a insatisfação de praças e oficiais de baixa patente mais afetados pelas condições de vida no país
Porto Velho, Rondônia - Desde que o chavismo chegou ao poder na Venezuela, em 1999, o fator militar é determinante. Analistas locais e estrangeiros que acompanham a vida política no país costumam dizer que nada mudará sem o aval dos quartéis. Nesse sentido, as últimas declarações do ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, devem ser observadas com extrema atenção. Em meio a declarações de líderes da oposição e presidentes estrangeiros que expressam dúvidas sobre a aceitação de um eventual resultado eleitoral adverso por parte do presidente Nicolás Maduro, seu ministro da Defesa foi taxativo:
— O que vamos fazer? Vamos fazer o que está no marco do Plano República: esperar a decisão do povo transmitida através do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), e pronto — disse Padrino López, diante de uma plateia de militares. — Quem vencer que assuma seu projeto de governo, e quem perder que vá descansar, isso é tudo. Esse joguinho das pesquisas, que quer se impor acima da institucionalidade, neste caso o CNE e a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB)… chamo a atenção para que não caiamos na armadilha das tendências virtuais através das redes.
As declarações de Padrino López trazem dois recados importantes. O primeiro deles é que a FANB não dará aval a qualquer tentativa de fraude eleitoral. O segundo, em sintonia com o recado dado pelo chanceler Iván Gil a embaixadores estrangeiros esta semana, é que o governo tem dados que divergem das pesquisas que estão sendo divulgadas pela oposição. Esses dados, embora o ministro da Defesa não tenha mencionado, apontam uma grande probabilidade de vitória do presidente Nicolás Maduro.
No mundo militar venezuelano, predomina a convicção de que Maduro será reeleito, pela segunda vez consecutiva. Mas, se finalmente o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, derrotar o chavismo nas urnas, esse resultado, se confirmado pelo CNE, será acatado pela FANB. Se setores mais radicais do chavismo tentarem resistir, a ala militar do governo — expressiva e poderosa — não vai aderir.
As Forças Armadas têm sido uma peça-chave na política da Venezuela há pelo menos três décadas, desde que o então comandante Hugo Chávez liderou uma revolta contra um governo de austeridade impopular em 1992. Quando foi eleito presidente em 1998, Chávez expurgou oficiais doutrinados nos EUA para combater o comunismo, colocou colegas golpistas em posições de destaque e investiu a riqueza do petróleo do país em caças e equipamentos militares caros.
Em 2012, quando Chávez anunciou que escolhera Nicolás Maduro como seu sucessor, as Forças Armadas demoraram a digerir a determinação do chefe de Estado sem pedigree militar. Ainda assim, Maduro conseguiu manter a cúpula militar totalmente comprometida com o chavismo.
O presidente construiu uma relação de necessidade mútua com os altos mandos militares, deu poder à sua própria safra de aliados uniformizados, e desde que assumiu o poder em 2013, não hesitou em enviar tropas para esmagar protestos e, ao mesmo tempo, recompensar oficiais de altas patentes com empregos lucrativos no governo e o controle de setores estratégicos.
Soldados se posicionam ao lado de urnas a dias da eleição presidencial na Venezuela — Foto: AFP
Ao longo dos anos, os militares resistiram a todo tipo de negociação ou acordo com a oposição para forçar uma saída de Maduro do poder. Os que aceitaram essas ofertas terminaram presos ou no exílio. Ainda hoje, as mais altas autoridades militares do país continuam comprometidas com o chavismo e desconfiam profundamente da oposição.
Eles estariam dispostos a aceitar uma eventual vitória opositora, se ela for confirmada pelo CNE, mas eventuais denúncias de fraude contra Maduro não serão consideradas, principalmente porque a cúpula militar, como deixou claro Padrino López, não confia na ampla vantagem de González Urrutia, apontada pelas pesquisas em mãos da oposição.
No baixo clero militar, a situação é diferente. Com salários muito baixos e enfrentando, como o resto da população, uma situação econômica difícil, soldados e oficiais estão, como outros setores das bases chavistas, insatisfeitos.
A alta patente se manteve firme ao lado de Maduro, mergulhando fundo na disputa política, em vez de se limitar ao seu papel tradicional de proteger o processo eleitoral. Mas a insatisfação entre os militares de baixa patente, que sofrem com o desequilíbrio econômico do país, tem sido sentida aqui e ali.
Entre 2012 e 2020, a economiza venezuelana encolheu 71%, enquanto a inflação chegou a 130.000%. Neste cenário, os bônus em dinheiro e as vantagens concedidas às famílias dos militares deixaram de ser atrativas, levando a um aumento das deserções entre os 150 mil uniformizados.
— Os recrutas, o pessoal alistado e os oficiais de baixa patente não estão ganhando dinheiro. Muitos provavelmente têm parentes que fugiram da Venezuela e são suscetíveis à mensagem da oposição — disse William Brownfield, ex-embaixador dos EUA em Caracas e membro sênior do Wilson Center em Washington, em entrevista à agência de notícias AP.
De acordo com o general Manuel Cristopher Figuera, ex-chefe de espionagem, qualquer movimento para desafiar Maduro virá de baixo para cima, na forma de uma recusa em reprimir os manifestantes. Isso não significa, contudo, que apoiarão eventuais denúncias de fraude por parte de setores da oposição.
— Eles não vão se rebelar, mas também não vão obedecer a ordens — disse à AP Figuera, que fugiu do país em 2019 depois de liderar uma tentativa fracassada de remover Maduro do poder.
Um dos temores que existe hoje entre os militares venezuelanos é o de que Maduro seja reeleito, mas com uma margem pequena em relação a González Urrutia. Isso poderia arrastar o país para um cenário de forte instabilidade política, com lideranças opositoras como María Corina Machado mobilizando a sociedade permanentemente. Neste caso, o papel dos militares será, mais uma vez, crucial. O apoio a Maduro está firme, mas o medo de que o presidente entre numa fase difícil, com final incerto, é grande.
Papel central
Há poucos dias de uma disputada eleição que ameaça seu poder, o líder chavista está se esforçando mais do que nunca para garantir a lealdade dos militares — o árbitro tradicional das disputas políticas na Venezuela.
Quem fez apelos no mesmo sentido foi o candidato da oposição, Edmundo Gonzáez, que disse confiar que os militares garantirão o respeito ao resultado das urnas.
— Vamos vencer (...) e confiamos que nossas Forças Armadas respeitarão a vontade de nosso povo — disse a jornalistas em Caracas nesta quinta-feira. — Milhões de venezuelanos querem mudança.
A esperança anunciada por González é a mesma de muitos venezuelanos fora do país e viram o regime recrudescer.
— Se houver uma avalanche de pessoas nas ruas apoiando a oposição, haverá muita pressão sobre Padrino — disse Rodolfo Camacho, que trabalhou ao lado do ministro da Defesa antes de ser acusado de conspirar contra o governo de Maduro e fugir da Venezuela. — Ele é a única pequena esperança que me resta. (Com agências internacionais)
Fonte: O GLOBO
Porto Velho, Rondônia - Desde que o chavismo chegou ao poder na Venezuela, em 1999, o fator militar é determinante. Analistas locais e estrangeiros que acompanham a vida política no país costumam dizer que nada mudará sem o aval dos quartéis. Nesse sentido, as últimas declarações do ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, devem ser observadas com extrema atenção. Em meio a declarações de líderes da oposição e presidentes estrangeiros que expressam dúvidas sobre a aceitação de um eventual resultado eleitoral adverso por parte do presidente Nicolás Maduro, seu ministro da Defesa foi taxativo:
— O que vamos fazer? Vamos fazer o que está no marco do Plano República: esperar a decisão do povo transmitida através do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), e pronto — disse Padrino López, diante de uma plateia de militares. — Quem vencer que assuma seu projeto de governo, e quem perder que vá descansar, isso é tudo. Esse joguinho das pesquisas, que quer se impor acima da institucionalidade, neste caso o CNE e a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB)… chamo a atenção para que não caiamos na armadilha das tendências virtuais através das redes.
As declarações de Padrino López trazem dois recados importantes. O primeiro deles é que a FANB não dará aval a qualquer tentativa de fraude eleitoral. O segundo, em sintonia com o recado dado pelo chanceler Iván Gil a embaixadores estrangeiros esta semana, é que o governo tem dados que divergem das pesquisas que estão sendo divulgadas pela oposição. Esses dados, embora o ministro da Defesa não tenha mencionado, apontam uma grande probabilidade de vitória do presidente Nicolás Maduro.
No mundo militar venezuelano, predomina a convicção de que Maduro será reeleito, pela segunda vez consecutiva. Mas, se finalmente o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, derrotar o chavismo nas urnas, esse resultado, se confirmado pelo CNE, será acatado pela FANB. Se setores mais radicais do chavismo tentarem resistir, a ala militar do governo — expressiva e poderosa — não vai aderir.
As Forças Armadas têm sido uma peça-chave na política da Venezuela há pelo menos três décadas, desde que o então comandante Hugo Chávez liderou uma revolta contra um governo de austeridade impopular em 1992. Quando foi eleito presidente em 1998, Chávez expurgou oficiais doutrinados nos EUA para combater o comunismo, colocou colegas golpistas em posições de destaque e investiu a riqueza do petróleo do país em caças e equipamentos militares caros.
Em 2012, quando Chávez anunciou que escolhera Nicolás Maduro como seu sucessor, as Forças Armadas demoraram a digerir a determinação do chefe de Estado sem pedigree militar. Ainda assim, Maduro conseguiu manter a cúpula militar totalmente comprometida com o chavismo.
O presidente construiu uma relação de necessidade mútua com os altos mandos militares, deu poder à sua própria safra de aliados uniformizados, e desde que assumiu o poder em 2013, não hesitou em enviar tropas para esmagar protestos e, ao mesmo tempo, recompensar oficiais de altas patentes com empregos lucrativos no governo e o controle de setores estratégicos.
Soldados se posicionam ao lado de urnas a dias da eleição presidencial na Venezuela — Foto: AFP
Ao longo dos anos, os militares resistiram a todo tipo de negociação ou acordo com a oposição para forçar uma saída de Maduro do poder. Os que aceitaram essas ofertas terminaram presos ou no exílio. Ainda hoje, as mais altas autoridades militares do país continuam comprometidas com o chavismo e desconfiam profundamente da oposição.
Eles estariam dispostos a aceitar uma eventual vitória opositora, se ela for confirmada pelo CNE, mas eventuais denúncias de fraude contra Maduro não serão consideradas, principalmente porque a cúpula militar, como deixou claro Padrino López, não confia na ampla vantagem de González Urrutia, apontada pelas pesquisas em mãos da oposição.
No baixo clero militar, a situação é diferente. Com salários muito baixos e enfrentando, como o resto da população, uma situação econômica difícil, soldados e oficiais estão, como outros setores das bases chavistas, insatisfeitos.
A alta patente se manteve firme ao lado de Maduro, mergulhando fundo na disputa política, em vez de se limitar ao seu papel tradicional de proteger o processo eleitoral. Mas a insatisfação entre os militares de baixa patente, que sofrem com o desequilíbrio econômico do país, tem sido sentida aqui e ali.
Entre 2012 e 2020, a economiza venezuelana encolheu 71%, enquanto a inflação chegou a 130.000%. Neste cenário, os bônus em dinheiro e as vantagens concedidas às famílias dos militares deixaram de ser atrativas, levando a um aumento das deserções entre os 150 mil uniformizados.
— Os recrutas, o pessoal alistado e os oficiais de baixa patente não estão ganhando dinheiro. Muitos provavelmente têm parentes que fugiram da Venezuela e são suscetíveis à mensagem da oposição — disse William Brownfield, ex-embaixador dos EUA em Caracas e membro sênior do Wilson Center em Washington, em entrevista à agência de notícias AP.
De acordo com o general Manuel Cristopher Figuera, ex-chefe de espionagem, qualquer movimento para desafiar Maduro virá de baixo para cima, na forma de uma recusa em reprimir os manifestantes. Isso não significa, contudo, que apoiarão eventuais denúncias de fraude por parte de setores da oposição.
— Eles não vão se rebelar, mas também não vão obedecer a ordens — disse à AP Figuera, que fugiu do país em 2019 depois de liderar uma tentativa fracassada de remover Maduro do poder.
Um dos temores que existe hoje entre os militares venezuelanos é o de que Maduro seja reeleito, mas com uma margem pequena em relação a González Urrutia. Isso poderia arrastar o país para um cenário de forte instabilidade política, com lideranças opositoras como María Corina Machado mobilizando a sociedade permanentemente. Neste caso, o papel dos militares será, mais uma vez, crucial. O apoio a Maduro está firme, mas o medo de que o presidente entre numa fase difícil, com final incerto, é grande.
Papel central
Há poucos dias de uma disputada eleição que ameaça seu poder, o líder chavista está se esforçando mais do que nunca para garantir a lealdade dos militares — o árbitro tradicional das disputas políticas na Venezuela.
Quem fez apelos no mesmo sentido foi o candidato da oposição, Edmundo Gonzáez, que disse confiar que os militares garantirão o respeito ao resultado das urnas.
— Vamos vencer (...) e confiamos que nossas Forças Armadas respeitarão a vontade de nosso povo — disse a jornalistas em Caracas nesta quinta-feira. — Milhões de venezuelanos querem mudança.
A esperança anunciada por González é a mesma de muitos venezuelanos fora do país e viram o regime recrudescer.
— Se houver uma avalanche de pessoas nas ruas apoiando a oposição, haverá muita pressão sobre Padrino — disse Rodolfo Camacho, que trabalhou ao lado do ministro da Defesa antes de ser acusado de conspirar contra o governo de Maduro e fugir da Venezuela. — Ele é a única pequena esperança que me resta. (Com agências internacionais)
Fonte: O GLOBO
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