Jornalismo tem o dever perpétuo de defender os valores evidentes sobre os quais nossa civilização foi construída
Pedestres leem jornais de Bangladesh exibidos ao longo de uma rua em Daca — Foto: Munir UZ ZAMAN / AFP
Porto Velho, Rondônia - O ano de 2024 está testando nossas sociedades modernas de maneiras que esperávamos que nunca se repetissem. Ao redor do mundo, regimes autocráticos e potenciais ditadores desafiam liberdades que atravessam fronteiras, raças e religiões.
Conflitos modernos se espalham por todo o globo e são travados com um volume de informações esmagador em seu alcance e poder. Novas tecnologias e as plataformas que elas habilitam são campos de batalha onde nosso futuro é decidido — muitas vezes sem nossa permissão e contra nossa vontade.
Nesse turbilhão, é o jornalismo, baseado em fatos e evidências, que tem o dever permanente de defender os valores sobre os quais nossa civilização foi construída. Em todo o mundo, são os jornalistas que vivem a responsabilidade de honrar esse vínculo sagrado com nossas audiências e comunidades.
Em troca, sentimos a alegria em ter a verdade compartilhada — com você.
Esses momentos especiais — quando histórias jornalísticas salvam vidas, aumentam a compreensão que temos uns dos outros e nos guiam em tempos difíceis — muitas vezes se perdem na avalanche de desinformação que destrói a confiança. Eles fundamentam nossa capacidade de viver juntos. Até o próprio significado da verdade está sob ataque.
Em todos os lugares, o jornalismo luta para manter seu lugar e sua relevância para nossas comunidades. E, para um número alarmante de organizações de notícias, a existência diária equivale à luta pela sobrevivência.
De fato, estes são tempos extraordinários — preocupantes para qualquer um que se importe com as pessoas, com a civilização e com os regimes democráticos que tornaram tudo isso possível.
E, ainda assim, esses dias conturbados também são, ao mesmo tempo, empolgantes e fascinantes.
Nós, jornalistas ao redor do mundo, nos momentos em que sistemas desmoronam e verdades fundamentais estão sob pressão, devemos mostrar que somos feitos de uma matéria mais forte; do tipo que pode resistir a campanhas de desinformação, a ataques sustentados e a uma inundação de mentiras.
Nossos modelos de negócios ruíram sob a pressão das big techs. A verdade em si é relativizada diariamente; o que antes era um entendimento comum da realidade hoje é muitas vezes suplantado por interpretações que não são sustentadas por fatos.
Em muitas situações, o próprio uso da palavra “verdade” carrega o significado de mentira.
Esses não são ataques aleatórios ou acidentais. Fazem parte da cruzada contra nosso sistema de valores, nossa compreensão básica do que é bom e ruim. Sem nosso sistema de valores, e se não pudermos distinguir o certo do errado, não temos civilização.
No Dia Mundial da Notícia, 28 de setembro, nós, organizações de mídia de todo o mundo, damos as mãos para reafirmar nosso compromisso inabalável com as notícias, com os fatos, com a responsabilidade, com o serviço público, com a humanidade, com o escrutínio, com a independência, com a ética e com a comunidade. Essas palavras têm um significado profundo.
Elas importam para nós.
Só há uma escolha pela frente: nós, o jornalismo, continuaremos a cumprir nosso dever sagrado. As notícias que reportamos continuarão baseadas em fatos. Defenderemos a verdade.
E queremos assegurar a você, caro leitor, que é nossa intenção manter as coisas desse modo. Não nos cansaremos e não desistiremos. A batalha pela verdade é a batalha pelo nosso futuro comum.
Para nossos colegas em todos os lugares do mundo, nesta fase conturbada da história, não se desesperem. Vocês não estão sozinhos. Nossa missão nos une.
O barulho e a violência eventualmente diminuirão, e o discurso baseado na verdade e na decência retornará. Pode não acontecer em breve, mas acontecerá em algum momento.
Por ora, lutemos. Cada momento de cada hora de cada dia.
Neste Dia Mundial da Notícia de 2024, vamos garantir que nunca esqueçamos por que, antes de mais nada, estamos aqui. E vamos ajudar a manter a alegria da verdade compartilhada com nossos leitores, que são nosso norte verdadeiro.
*Maria Ressa, CEO do Rappler.com, é ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2021, Branko Brkic, editor-chefe do Daily Maverick, da África do Sul, é o criador da campanha Escolha a Verdade. Este artigo faz parte das ações do World News Day
Fonte: O GLOBO
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