Ata detalha discussão do colegiado que embasou alta de juros a 10,75% ao ano

Diretores do Banco Central, que integram o Comitê de Política Monetária (Copom) — Foto: Divulgação/BC

Porto Velho, Rondônia - O Banco Central endureceu o recado sobre a condução das contas públicas na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira. No documento, o BC classificou a política fiscal como expansionista e frisou que é importante para a condução dos juros uma política fiscal crível, previsível e transparente.

Apesar do tom mais pesado, o BC deixou claro que atualmente considera em seus cenários para a inflação uma desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos públicos ao longo do tempo, em linha com a trajetória traçada pelo governo.

A ata traz detalhes sobre a discussão do Copom na semana passada. Na ocasião, o colegiado retomou o ciclo de alta da taxa Selic, com um aumento de 0,25 ponto percentual, de 10,50% para 10,75% ao ano. Foi a primeira elevação dos juros básicos da economia no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O mercado financeiro e especialistas em contas públicas veem baixa disposição do governo em cortar gastos, o que põe em risco a sustentabilidade do arcabouço fiscal e da dívida pública. Além disso, recentemente, algumas medidas adotadas acenderam um alerta para brechas nas regras fiscais.

“Uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados, em conjunto com a persecução de estratégias fiscais que sinalizem e reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos próximos anos são importantes elementos para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de riscos dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária", disse o Copom na ata.

O BC já tinha reconhecido em julho que a percepção dos agentes sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço vinha tendo impactos relevantes nos preços de ativos, avaliação que manteve no documento divulgado nesta terça-feira.

Por outro lado, o BC mostrou que tem uma visão mais favorável do cenário externo, em meio ao início do ciclo de corte de juros nos Estados Unidos. No mesmo dia do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) reduziu os juros pela primeira vez desde 2020.

Na ata, o comitê destacou que o cenário externo se mantém desafiador, “mas se mostra mais benigno do que na reunião anterior”, dando um passo a mais em relação ao comunicado, em que havia trocado a classificação de "adversa" para "desafiadora".

Mais uma vez, contudo, o colegiado destacou que não há relação direta entre os juros nos Estados Unidos e a determinação da Selic no Brasil, tampouco há essa ligação em relação ao comportamento da taxa de câmbio.

"Como usual, o Comitê focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica inflacionária interna e seu impacto sobre o cenário prospectivo. Reforçou-se, ademais, que um cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução da política monetária doméstica."

O BC calculou sua projeção oficial de inflação com o câmbio partindo de R$ 5,60, patamar superior à cotação negociada nos últimos dias, mesmo em meio ao aumento do mau humor com a política fiscal. A projeção para o primeiro trimestre de 2026, prazo em que o BC mira atualmente para colocar a inflação na meta, está em 3,5%. A meta é de 3,0%, com intervalo de tolerância de 1,5% a 4,5%.

Início gradual

A ata também trouxe a público que todos os membros do Copom concordaram com o início do ciclo de alta no ritmo de 0,25 ponto percentual, considerado gradual.

"O Comitê julgou que o início do ciclo deveria ser gradual de forma a, por um lado, se beneficiar do acompanhamento diligente dos dados, ainda mais em contexto de incertezas, tanto nos cenários externo como doméstico, mas, por outro lado, permitir que os mecanismos de transmissão da política monetária que possibilitarão a convergência da inflação à meta já comecem a atuar."

Mas, em relação aos próximos passos da Selic, o Copom não deu pistas. Em meio a incertezas, o colegiado preferiu não dar indicação futura, apenas sinalizando o firme compromisso com o retorno da inflação à meta.

"Em virtude das incertezas envolvidas, o Comitê preferiu uma comunicação que reforça a importância do acompanhamento dos cenários ao longo do tempo, sem conferir indicação futura de seus próximos passos, insistindo, entretanto, no seu firme compromisso de convergência da inflação à meta."

No comunicado, o BC já tinha deixado claro que tinha iniciado um ciclo, sem se comprometer com o ritmo de aumento nem com a magnitude total do ajuste, deixando a porta aberta para novas altas.

"O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de risco", repetiu na ata.

Desafio para meta

No comunicado sobre a decisão, o BC destacou que o cenário atual é marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas de inflação distantes da meta. Isso, segundo o Copom, demanda "uma política monetária mais contracionista" - com Selic maior.

Nesta terça-feira, na ata, o BC deu mais detalhes sobre cada um desses fatores. O comitê mencionou que o crescimento surpreendente da atividade econômica no Brasil, em conjunto com uma avaliação de que a economia está operando acima do seu potencial produtivo, "torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta". Mas o Copom não detalhou muito porque passou a ver o hiato do produto (medida de ociosidade ou superaquecimento da economia) como positivo nesta reunião.

O hiato positivo indica que a economia está operando acima de sua capacidade, geralmente com utilização total de recursos (mão de obra e capital), o que pode gerar pressões inflacionárias.

O Copom não via um cenário de sobreaquecimento da economia desde junho de 2015. A revisão ocorre após mais uma surpresa com o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), que subiu 1,4% no segundo trimestre.

"A conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e vigor nas concessões de crédito às famílias segue indicando um suporte ao consumo e consequentemente à demanda agregada."

Em relação ao mercado de trabalho, o comitê continuou a ver ganhos reais nos salários nos últimos meses, o que tem potencial de se traduzir em aumento de preços e da inflação no geral, mas disse que ainda não percebe evidências de que esse processo já está acontecendo.

Para o BC, os últimos dados de inflação sugerem uma piora na composição e uma interrupção no processo de desaceleração. O comitê destacou que os bens industriais e alimentos aumentaram, o que pode ser efeito do câmbio e dos eventos climáticos.

"O Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma trajetória de taxa de juros mais elevada."

Desconforto

Copom ainda considerou que o distanciamento das expectativas de inflação da meta é um "fato de desconforto comum a todos os membros do comitê". Para o Copom, uma aproximação é essencial para assegurar a efetiva convergência da inflação para a meta com "o menor custo possível" de atividade.

"O Comitê avalia que a condução da política monetária é um fator fundamental para a reancoragem das expectativas e continuará tomando decisões que salvaguardem a credibilidade e reflitam o papel fundamental das expectativas na dinâmica de inflação."

Sobre o crédito, o BC observou uma "leve piora" na qualidade das concessões de crédito a famílias, mas que ainda se transformou em aumento da materialização dos riscos.


Fonte: O GLOBO